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Aarão - Santo Expedito - Santa Bernadette
AARÃO
Prof.
Eduardo Simões
Aarão é o irmão mais velho de Moisés, e
seu braço direito durante a missão deste de libertar o povo hebreu do Egito, e
levá-lo à Terra Prometida, segundo o relato do Primeiro Testamento, baseado em
antigas tradições, por vezes conflitantes.
O Primeiro Testamento nada nos revela
sobre a infância de Aarão, e os dados sobre sua ascendência são contraditórios,
pois segundo 1 Cro 5,29 ele seria bisneto de Levi; mas Levi entrou no Egito
junto com Jacó, e Aarão saiu de lá com Moisés. Entre eles há um período de centenas
de anos! Porém em Ex 6,23 ficamos sabendo, por meio de uma adição meio
‘forçada’ no texto que ele se casou com Isabel, filha de um tal Aminadab, e com
ela teve quatro filhos: Nadab, Abiú, Eleazar e Itamar.
Juntando vários trechos, ficamos
sabendo que Aarão é o caçula da família levita de Amram e Jocabed, tendo por
irmãos Maria, ou Mirian, a mais velha, e Moisés. O Êxodo fala a primeira vez de
Aarão quando do chamado de Moisés, no Monte Sinai, como uma alternativa à incrível
insegurança dele, em relação aos seus dotes de oratória, que chega às raias da
impertinência (Ex 4,14). Deus, então, recomenda que ele tome Aarão como
porta-voz: “ele falará por ti ao povo; ele será a tua boca, e tu serás para ele
um Deus” (4,16). Graças a uma revelação de Deus, Aarão vai ao encontro do irmão
no Sinai, onde fica a par de sua missão (4,27) e imediatamente reúne os anciãos
israelitas (4,29), e posteriormente o povo, diante do qual Moisés fez “sinais”
(4,30), provocando a adesão de todos.
Nesse momento a narrativa fica meio
truncada: em 4,20, Moisés parte com sua família em direção ao Egito, ao mesmo
tempo em que Aarão, avisado por Deus, se põe a caminho, ao encontro de Moisés.
Deveriam, portanto, se encontrar no meio do caminho, mas se encontram na
“montanha de Deus” (4,28), de onde Moisés partira já de algum tempo (?).
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De 5,1 a 6,1 narra-se o primeiro
encontro dos irmãos com o faraó e a primeira decepção daqueles, porém, em 6,2
começa outra vez a narrativa da vocação de Moisés, com um dado curioso, Deus
agora dá uma explicaçãozinha sobre o porquê de seu novo nome ‘Iahweh’ (Eu Sou),
quando os antigos patriarcas o chamavam por El Shaddai (6,3) (1), como algo a ser ultrapassado, pela
nova revelação a Moisés. É curioso que nesse texto, aparentemente deslocado da
narrativa, aparece uma árvore genealógica onde se colocam os descendentes de Ruben,
em primeiro lugar (6,14), Simeão, em segundo (6,15) e de Levi, ancestral de
Aarão, em terceiro (6,16), sem citar mais nenhum dos filhos de Jacó, patriarcas
fundadores das 12 tribos. Será que havia alguma contestação da tribo de Ruben
quanto à primazia sacerdotal de Levi, uma vez que, pelo costume do antigo
patriarcado cabia ao filho mais velho herdar o carisma sacerdotal do pai da
família, mas como se sabe Jacó retirou os direitos de primogenitura a Ruben (Gn
49, 3-4), e Simeão e Levi foram, juntos, parcialmente amaldiçoados por uma ação
violenta, e por isso dispersos no meio das tribos (49,5-7) – no caso dos
levitas isso foi proveitoso ou adequado em função de sua missão sacerdotal
entre o povo. O texto também dá uma indicação sobre a idade de Moisés e Aarão
quando se dirigiram à primeira vez ao faraó: 83 e 80 anos de idade,
respectivamente.
Ao longo das tortuosas tentativas de
convencer ao faraó de deixar os hebreus sair do Egito, Aarão teve uma a
participação relevante. Ele e o irmão eram sempre convocados juntos perante o
rei, ambos ouviram de Deus as últimas instruções sobre como proceder ao sair do
Egito, e coube a ele tomar a iniciativa na produção de várias entre as dez
pragas Ex (7,14 ss). A ambos era atribuída a libertação do povo e ambos
sofreram, juntos as reprimendas do povo amotinado, toda vez que o faraó reagia
ao pedido de libertação do povo, ou no deserto, quando a saudade do Egito batia
no coração do povo, ainda em processo de conversão.
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Quando deixaram o deserto de Sin –
local incerto – o povo, em retirada, teve que fazer frente a um poderoso
exército amalecita – povo de origem incerta, só mencionado na Bíblia. Nesse
combate, acontecido em Refidim – local de origem incerta – houve um fato
curioso, típico de narrativas lendárias, onde por meio de um fato muito
pitoresco, em geral não acontecido nos seus mínimos detalhes, se procura marcar
uma grande lição moral ou espiritual; os israelitas só conseguiam predominar
contra os seus inimigos, quando os braços de Moisés ficavam erguidos sobre sua
cabeça, em sinal de súplica a Deus, o que nos faz pensar em uma mentalidade um
tanto mágica. Como o inimigo era numeroso, e Moisés farto dos anos, seus braços
não suportavam ficar elevados muito tempo, por isso ele sentou-se numa rocha,
com Aarão de um lado e Hur do outro, segurando os seus braços, até a vitória
definitiva de Israel (Ex 17,12-13). Essa passagem nos mostra duas coisas: o
poder da intercessão e a estreita aliança que deve haver entre o poder civil e
o religioso no seio de um povo, sem necessariamente precisar haver uma religião
oficial.
Quando, finalmente, chegaram ao Monte
Sinai (19,1-2), Aarão estava entre aqueles a quem foi dado ver a Deus (“eles
viram o Deus de Israel”), (24, 9-11) – uma passagem que está em contradição com
outra, (33,20), onde isso é estritamente proibido. Após o que, ele desceu,
junto com os outros que viram a Deus – os setenta e dois auxiliares de Moisés –
enquanto aquele recebia os Dez Mandamentos. Foi então que ele se meteu no
episódio mais constrangedor de sua carreira de sumo-sacerdote do Deus
verdadeiro.
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Moisés demorava a descer da montanha. Segundo
uma das narrativas, ele passou 40 dias lá encima (24,18). Essa demora começou a
impacientar o povo e ao grupo que disputava, com Moisés, o poder de reger o
povo, e, querendo criar sua própria versão de culto, sem, aparentemente, abandonar
ao Deus já revelado a Moisés e aos anciãos, insistiram junto a Aarão para que
se lhes construísse um bezerro de ouro; e tanto insistiram, o pecado não se
cansa, que ele acabou cedendo e fundindo, pessoalmente (ele seria metalúrgico?)
um bezerro de ouro, que, segundo o texto, seria uma representação de Yahweh, e
não um deus autônomo, como se pode entender de (32,5). O bezerro seria como um
sinal de Iahweh, como o era a Arca da Aliança, que também tinha representação
de criaturas (dois querubins) sobre a sua tampa, só que dotado de uma eficácia
mágico-salvífica, como se fora o próprio Deus.
Aarão, aparentemente, cedeu demasiado
rápido. Certamente que já havia conversado muito com o irmão sobre a correta
forma de adorar ao “novo” Deus, tão recentemente redescoberto, a não ser que
essa narrativa tenha sido inserida no texto, posteriormente, por um grupo que
questionava o sacerdócio de Aarão, e queria apresentá-lo mais frágil, mas que
não deixa de ter um aviso espiritualmente muito importante: durante a nossa
caminhada espiritual muitas tentações aparecerão, é preciso resistir-lhes e
vencê-las; Aarão não conseguiu. Seja como for, apesar de duramente questionado
por Moisés, ele não perde o sacerdócio nem sofre nenhum castigo em especial,
embora a esse respeito duas tradições apareçam no Pentateuco. Em Êxodo 32,
21-24, ele, como Adão no Gênesis, se justifica que fora pressionado ou induzido
pelo povo, e tudo fica bem, mas em Deuteronômio Moisés revela que Deus,
“enfurecido”, pretendera “exterminá-lo”. Há claramente dois autores, com visões
diferentes, narrando a mesma história. Apesar de tudo, Aarão e seus filhos são
sagrados Sumo Sacerdote e sacerdotes, respectivamente, no capítulo 39, com
muita pompa e circunstância.
Entretanto,
não se encerrara o ciclo de desavenças entre os irmãos. Em Números 12,
aparentemente numa época posterior ao caso do bezerro de ouro, um episódio
grave os envolve, quando Moisés desposa uma mulher cuchita.
Pelo
contexto, deduz-se que Moisés ficara viúvo e desposara uma segunda mulher, que,
pela designação parecia pertencer ao país de Kush, um reino negro que existia
ao sul do Egito, e com o qual os egípcios travavam relações intensas. Essa
mulher, certamente uma negra, poderia ser uma prosélita, uma pagã convertida, o
que pode ter desagradado ao nacionalismo religioso de Aarão e sua irmã mais
velha, Maria, que se puseram a murmurar contra Moisés – outros autores resolvem
essa pendência de outra forma: em Hab 3,7, os termos Cusã e Madian são usados
para designar a mesma região, e nesse caso a oposição seria contra o casamento
de Moisés com Séfora, antes do início de sua missão libertadora, e o texto
estaria aí deslocado o artificialmente acrescentado para “queimar” um pouco o
“filme” de Aarão. O resultado, porém, foi algo semelhante ao do bezerro de
ouro: e Aarão é poupado, enquanto Maria tem que amargar sete dias de lepra e
isolamento, antes de ser readmitida no seio do povo.
Outra
tese, igualmente válida para esse desfecho, é que Maria tomou todas as iniciativas
na crítica ao irmão, cabendo a Aarão apenas a falta de ter concordado com ela
ou não lhe ter aconselhado devidamente – o que está de acordo com o temperamento
claudicante que demonstrou no caso do bezerro de ouro; nesse sentido ele é ao
mesmo tempo a figura de Jesus Cristo, o Sumo Sacerdote por excelência, e o
protótipo de Pedro, o Sumo Pontífice da Nova Aliança, que também hesitou e caiu
na “hora H” – seja como for a sua petição junto a Moisés foi fundamental para a
cura da irmã (Nm 12, 11-12). Deus encontrasse muito além das fraquezas humanas.
O
exercício da função sacerdotal, com o poder que lhe era inerente, não passou
desapercebido de importantes membros da comunidade tribal israelita, em
especial na tribo dos rubenitas, que, segundo a tradição, descendiam de Rúbens,
o filho mais velho de Jacó-Israel, e que, pelas tradições humanas da época,
possuíam a prerrogativa do sacerdócio e da liderança sobre os irmãos, assim
como de outros grupos de levitas, que se amotinaram contra o sacerdócio e a
liderança de Moisés e Aarão, liderado pelos chefes de grandes famílias tribais
Coré (levita), Datan e Abiron (rubenitas), conforme é relatado em Nm 16 – é
curioso notar que o texto em nenhum momento faz alusão ao deserdamento de
Rúben, pelo patriarca Jacó, em seu oráculo final (Gn 49,3-4), para criticar as
pretensões dos rubenitas nesse episódio, reforçando a tese, escorada também em
outros elementos (linguagem e eventos posteriores, inclusive que não se
realizaram(=glória de José)) que o texto das benção de Jacó, por sinal muito
corrompido, foi um acréscimo posterior.
Seja
como for houve uma disputa que acabou num desastre cataclísmico: a terra se
abriu para engolir os amotinados e as suas famílias (Nm 16,27-35). Estamos
ainda no tempo da moral nômade tribal, onde a punição abrange não só o autor da
ofensa como toda a sua família. E assim cessa, após três anos da saída do
Egito, a narração sobre detalhes da vida de Aarão, e nada se sabe sobre o que
aconteceu nos 37 anos seguintes de vagueio pelos desertos do Oriente Médio. Até
que no trigésimo nono ano, às vésperas da entrada dos hebreus na Terra
Prometida, o trecho volta a concentrar-se nele, e em seus irmãos, para descrever
uma desgraça: nenhum dos três, após a sua espetacular aventura, entrará na
Terra Prometida.
Em primeiro lugar Maria, a irmã, falecida na
localidade de Cades – provavelmente a atual Ain Qudeirat, um dos poucos lugares
no deserto de Neguev que contem fontes com água suficiente para abastecer tanta
gente. Seu falecimento, descrito de forma rápida e seca oculta o papel muito
importante que ela teve nessa travessia, quando é chamada, pelo profeta
Miqueias, como uma das condutoras do povo de Israel, lado a lado com Moisés e
Aarão (6,4), mostrando que o seu papel foi se reduzindo ao longo da tradição
mais patriarcal, que se criou após a sedentarização dos hebreus na Palestina.
Segundo
Nm 20,1-13, o único lugar onde se fala da morte dela, após a qual segue-se a
célebre questão das águas de Meriba, mostrando a estreita ligação entre ela e
as águas (conferir nela acompanhando o cesto com Moisés, ao longo do rio Nilo,
e o seu canto de vitória após o Mar Vermelho engolir o exército egípcio),
ocorre algo grave que faz Moisés e Aarão perderem as boas graças de Deus, sendo
por isso, assim como Maria, excluídos do grupo colonizador da Terra Prometida.
O que aconteceu realmente não está claro; julga-se que Moisés, por ter batido duas
vezes na rocha da qual emanou água, teria demonstrado com esse gesto, falta de
confiança ou impaciência com o tempo de Deus, mas isso é só conjectura, e não
explica a exclusão de Aarão – segundo o Sl 106 (105), 33, Moisés, nessa
ocasião, pressionado pelo povo, irritou-se, e “falou sem refletir”. Mas o quê?
Por que Aarão ficou envolvido? Para complicar, temos em Êxodo 17,1-7, o mesmo
relato das águas, num contexto totalmente diferente, aparentemente
contraditório, que revelaria, na melhor das hipóteses, duas histórias ou duas
tradições diferentes, descritas separadamente nos dois livros.
https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/e/e9/Tissot_The_Death_of_Aaron.jpg
Wikipedia
Segundo
Nm 20, 22-29, Moisés, seguindo ordens diretas de Deus, sobe com Aarão e um
filho deste, Eleazar, e sobem o Monte Hor – provavelmente o atual Jebel Harun,
com 1.435 m de altura, na atual Jordânia – e lá ele despe as vestes sacerdotais
de Aarão e as veste em Eleazar, após o que, Aarão morre, e, aparentemente é
sepultado ali – Moisés e Eleazar descem sozinhos. Segundo ainda 33,38 a sua
morte se deu no quadragésimo ano da saída do Egito, no primeiro dia do quinto
mês, aos 123 anos (percebem a sequência numérica?); mas em Dt 10,6 o lugar da
morte de Aarão é Mosera. Um pequeno detalhe que não diminui em nada o papel e a
incrível aventura pela qual passaram os três irmãos, de serem instrumentos de
Deus na condução do seu povo, para criar a mais poderosa tradição religiosa do
mundo, até os dias de hoje.
No
Segundo Testamento, Aarão é citado apenas em Hebreus 5,4 e 7,11, como um
exemplo da gratuidade da escolha de Deus, e do sacerdócio imperfeito.
SANTO
EXPEDITO (303)
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Soldados romanos do século III, no tempo em que Expedito serviu ao exército.
Embora o culto desse santo seja conhecido desde a Idade Média, foi apenas
em 1781 que o seu nome foi colocado na lista de um martirologio italiano, passando
a fazer parte oficialmente da lista dos santos católicos. Porém, ao
considerarmos que a data popular do seu martírio é o início do século IV, devemos
convir que é um personagem sujeito a controvérsias.
A primeira delas se refere ao seu nome verdadeiro, que, segundo alguns,
seria Elpídio, e que teve o seu nome mudado pelo fato de ele pertencer a uma
unidade de infantaria ligeira romana, onde os soldados eram ditos expediti (rápidos),
por não carregarem bagagem, tornando-se mais aptos para atuarem numa emergência
ou em operações de envolvimento, as mais perigosas, enquanto que o legionário
comum, os impediti (impedidos), sobrecarregados com a bagagem, deslocavam-se
mais lentamente, marcando posições fixas, servindo como unidades de choque.
A segunda é que não se sabe nada sobre a sua vida, sua origem e a data de
seu nascimento. A única informação “segura” seria a data e o local de seu
martírio: 303, na cidade oriental de Melitene (Não confundir com Militene),
atual Malatya, na Turquia, para onde fora deslocada a legião que ele comandava,
a XII Fulminata (Fulminante), a fim de proteger as fronteiras orientais do
Império contra invasões bárbaras e do poderoso Império Persa, que disputava com
Roma a influência sobre a Armênia, na zona do Cáucaso.
http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/7/79/Miracolo_della_Pioggia.JPG/400px-Miracolo_della_Pioggia.JPG
http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/7/79/Miracolo_della_Pioggia.JPG/400px-Miracolo_della_Pioggia.JPG
Wikipedia
Trecho da
coluna de Marco Aurélio, que mostra um episódio célebre envolvendo uma unidade
da XII Fulminata, durante as Guerras Marcomanas, no século II, quando uma chuva
torrencial inesperada salvou uma unidade dessa legião do massacre certo, feito
que os pagãos atribuíam aos sortilégios de um mago, mas que os cristãos atribuíram
a ação de Deus, atendendo a oração de vários soldados dessa unidade, que já
eram cristãos. Esse episódio, segundo alguns acelerou a conversão de Expedito,
mas isso é improvável, pois esse fato aconteceu mais de cem anos antes da data de
seu martírio – vê-se, no canto direito, um personagem grande, cabeludo e
barbudo, misterioso, de braços abertos, representando o deus das chuvas.
O que ficou mais conhecido dele foi a
intensa luta espiritual, que ele teve de travar consigo mesmo, às vésperas de
sua conversão. Como militar, e mais ainda um militar romano sincero, que provavelmente
chegara ao posto de tribuno, comandante de legião, após uma vida inteira de dedicação
à Roma e aos seus símbolos pagãos, e que sabia o quanto lhe custaria a
conversão a uma seita condenada pelo estado, a quem ele sempre servira – o imperador
romano da ocasião era Diocleciano, o pior de todos os perseguidores do
cristianismo nascente. Sem dúvida que não era uma decisão a ser tomada de
afogadilho, mas que também não poderia ser postergada por muito tempo, pois certamente
algo muito impactante lhe acontecera para fazê-lo mergulhar nessa crise, e ele,
como soldado, fora treinado para agir com presteza.
Conta ainda a “lenda” que, nesse
momento, ele ouviu alguns corvos próximos que, com o seu grasnado, semelhante à
pronúncia do advérbio de tempo latino “cras”, que quer dizer amanhã, pareciam
querer propositalmente afasta-lo de seu santo desejo de conversão. Não esquecer
que o corvo, na Europa, faz o papel do urubu ou abutre em outros continentes:
ave carniceira, necrófaga por excelência, facilmente associada às forças do
mal, sempre presente em história de bruxas e demônios, assim como as serpentes.
Esse episódio lembra que todos os que precisam
tomar uma atitude séria e urgente devem se cingir de uma grande humildade, de
uma ampla abertura de espírito, para acatarem o auxílio de última hora, que pode
vir da mais inesperada ou desacreditada fonte, e uma vez concluído o processo
de reflexão tomar uma decisão firme e constante, e para isso nada melhor que a
oração e o conhecimento da vida dos santos, do passado e do presente, pessoas
que, assim como nós, enfrentaram situações limites e mantiveram-se, sinceras e
coerentemente ligadas às suas decisões originais. O fundamental, eu creio, é a
sinceridade, que, inclusive, será o motor da ação ágil.
Ao final, Expedito se converte, e começa
a pregar corajosamente a nova religião. Ao saber disso o Imperador manda que se
use da lei, e Expedito é acusado e condenado por alta traição, afinal ele era
comandante de tropa, e, segundo os usos da época, foi chicoteado e por fim
decapitado, como era regra para um cidadão romano, embora isso não prove nada,
pois já nesse tempo estava valendo o decreto de Caracala, de 212, que
transformava todos os habitantes livres do Império, automaticamente, em
cidadãos romanos.
“Cassação”
A história de Expedito, verdadeira ou
não, é moralmente útil e santidade se constrói, principalmente, com elevação
moral e não tanto com dados de realidade, mesmo porque a realidade objetiva, e são
as próprias ciências da natureza que o afirmam, está sujeita a ilusões e distorções
perceptuais e intelectuais; as miragens são fenômenos naturais! Se o contrário é
que fosse verdade, então os matemáticos, físicos, químicos, etc., é que seriam
as pessoas mais religiosas, e não é necessariamente isso que acontece, embora
haja muitos, entre eles, que dão bons testemunhos de fé.
Entretanto, algum tipo de objetividade é
necessário, em um nível mais profundo de posicionamento e enfrentamento público,
da mesma forma que havia os “expeditos” e os “impedidos” nas legiões romanas,
para tipos diferentes de operações militares, e isso, algum tanto de
objetividade, é algo que Expedito não conseguiu demonstrar até agora, a não ser
que se venha a descobrir algum documento novo, e por isso, o seu nome foi riscado
do Martirológio Romano, e proibida a elevação de sua imagem em igrejas, pelo
Papa Pio X, em 1906 (Wikipedia em francês). Em vão, e o clero então se rendeu à
força do mito e do desejo das pessoas por santos heroicos, em um mundo onde as
pessoas competem para mostrar o quanto são oportunistas. Na edição do Novo Martirológio Romano, de 2001, não consta o seu nome.
A propósito, Santo Expedito costuma ser invocado nas causas urgentes ou impossíveis, como Santa rita de Cássia e São Judas Tadeu, como protetor de militares, estudantes, jovens, viajantes, assim como São Cristovão, e comerciantes. Atualmente há uma campanha para torná-lo padroeiro dos nerds e hackers, que estão sempre com a urgência de saltar de um link para outro, nem sempre para fazer uma coisa boa; mas eu creio que, neste caso, o que há é uma causa perdida (pisc!).
A propósito, Santo Expedito costuma ser invocado nas causas urgentes ou impossíveis, como Santa rita de Cássia e São Judas Tadeu, como protetor de militares, estudantes, jovens, viajantes, assim como São Cristovão, e comerciantes. Atualmente há uma campanha para torná-lo padroeiro dos nerds e hackers, que estão sempre com a urgência de saltar de um link para outro, nem sempre para fazer uma coisa boa; mas eu creio que, neste caso, o que há é uma causa perdida (pisc!).
BERNADETTE SOUBIROUS
(1844-1879)
Prof Eduardo Simões
http://cdt65.media.tourinsoft.eu/upload/Le-Petit-Lourdes-Moulin-de-Boly---Musee-de-Lourdes.jpg
http://www.lourdes-infotourisme.com/
O Contexto Familiar
Marie-Bernade Soubirous (pronuncia subirrú), nasceu na zona
rural de Lourdes, no moinho de Boly (foto acima, mostrando, à direita, uma
grande pedra redonda, a mó, com a qual se esmagava os grãos de trigo para fazer
farinha; um acidente com uma dessas pedras teve sérias consequências para o pai
de Bernadete), no seio de uma família de classe média abastada, em um ambiente
fortemente matriarcal.
Seu, pai, François (pronuncia “françuá”) Soubirous era um
moleiro de família remediada, que fora atraído ao Boly, pela sua proprietária,
a viúva Clara Casterot, na esperança de que ele se interessasse pela sua filha
primogênita, a inteligente e trabalhadora Bernade, ou Bernarda, mas ele
preferiu os olhos azuis e sonhadores da filha mais nova, Louise, com a qual se
casou em janeiro de 1843.
No ano seguinte, em janeiro, nasce Bernadete (diminutivo de
Bernade), que se chamou Marie-Bernade em homenagem à sua madrinha, a repudiada
Bernade, que sempre terá muita ascendência sobre ela e a família, tutelando-a,
na medida do possível.
A meninice de Bernadete, porém, não foi tão burguesa como se
prenunciava. François era um homem “sossegado”, indiferente ao dia de amanhã,
que se contaminava fácil pela placidez da vida familiar, enquanto Louise se
esmerava para ser uma boa mãe e dona-de-casa, mas sem nenhum projeto ou pulso
para imprimir um pouco mais de ambição e gosto pelo trabalho ao descansado
marido.
Para piorar as coisas, no sentido meramente humano e
material, os dois eram muito “mão-aberta”, acudindo a todos os que
necessitavam, ou não, sempre procurando mostrar uma abastança que, na prática,
não possuíam, facilitando para os aproveitadores, que sempre sobram nessas ocasiões.
Impossibilitada de aleitar a filha, por causa de um acidente, Louise a entrega
a uma “mãe-de-leite”, Marie Lagüe, que ficará com ela durante dois anos, para
grande desassossego de François, que sempre terá uma relação muito próxima com
a sua primogênita, e por causa disso trabalhará menos ainda, enquanto a família
começava a se arrastar para a ruína financeira, embora as condições de vida e
prosperidade no campo, ainda fossem relativamente boas na França.
O casal, que sempre foi muito religioso e oracional,
experimentou grande “tranco”, em 1849, quando ao repicar a mó, François perdeu
um olho, por causa de uma lasca da pedra. Nesse mesmo ano, a família,
insolvente, foi obrigada a deixar o moinho, em busca de outro mais modesto.
Em 1855, outro drama se abate sobre os Casterot-Soubirous,
uma epidemia de cólera se espalha pelo sul da França, matando 150 mil pessoas,
inclusive 38 habitantes de Lourdes. Bernadette também cai de cama, com uma
doença severa, mas desconhecida, que os parentes supõem, sem evidências, ser
cólera, da qual ela sairá com a saúde definitivamente debilitada, sujeita a
contínuas crises de asma.
Depois de trabalhar ainda em dois moinhos e morar em outros
endereços, cada um mais pobre que o outro, em janeiro de 1857, os Casterot-Soubirous
são expulsos, por falta de pagamento, da última casa digna do nome, e em estado
de completa miséria, mendigos mesmo, vão se instalar num cubículo infecto que
os lourdenses chamam de “cachot” (calabouço, em francês).
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http://www.gettyimages.com/
“Le cachot” era uma cela de prisão infecta, situada em uma estreita
rua sem saída, a rue des Fossés, que fora abandonada, em 1824, como prisão, por
razões sanitárias, e que passou a ser alugada a trabalhadores rurais
estrangeiros, por curtos períodos de seis meses, quando era minimamente salubre.
Nesse cubículo, de 3,7 por 4,4 m, a família de Bernadette, que chegou a ter até
nove membros – ao todo, François e Louise tiveram nove filhos, dos quais apenas
quatro vingaram, e nisso também eles se diferenciavam dos seus vizinhos, que, já
imbuídos da mentalidade burguesa, diziam que o excesso de filhos desbaratava o patrimônio
da família, o que nada tem a ver com planejamento familiar. A família, inclusive
no sertão da França, já era vista apenas como uma da empresa, o que, aliado à
rejeição do catolicismo tradicional, explica o extravagante decréscimo
populacional francês. Nesse cubículo os Casterot-Soubirous viveram durante seis
anos, com privacidade zero, principalmente no inverno, quando a neve e os
ventos os impediam completamente de sair de casa, por dias! (nas fotos acima
vemos uma reconstituição do “le cachot” na época de Bernadette, e a recepção de
um visitante ilustre ao local, Bento XVI, que tem, às mãos, o diário com anotações
da santa). Imagine-se, agora, o que é viver num lugar desses, num clima como o
da França, uma pessoa sujeita a crises de asma frequentes.
François e Louise passaram a viver de empregos temporários e
“bicos”, e sua situação só piorava. As famílias dos cônjuges, por sua vez, procuravam
intrigá-los, em especial os parentes de Louise, que viam em François um
fracassado, ou, como os americanos dizem, “um perdedor” nato, assim como muito
de seus antigos vizinhos e amigos, que os tratavam como irresponsáveis,
esquecidos da ajuda e dos mimos que o casal lhes fizeram nos tempos das “vacas
gordas”, e que eles próprios, os vizinhos, nesse período, tiraram amplas vantagens
dessa “irresponsabilidade”, principalmente da vergonha que François tinha de
cobrar a quem lhe devia. Assim caminha a humanidade!
Em determinadas ocasiões, sem trabalho, François deixava-se
ficar deitado na cama, quase o dia todo, para gastar menos energia, e, por
conseguinte, sentir menos fome, e precisar comer menos, deixando mais comida
para os filhos e esposa, que, por sua vez, aceitava aquela situação com uma
resignação impressionante, de sorte que a família se manteve estável e unida até
o fim. E que “barra” eles enfrentaram! Um irmão de Bernadette foi surpreendido,
certa vez, numa igreja, a comer cera de vela derretida; Bernadette, quando
precisava lavar a sua roupa, tinha que pedir uma roupa emprestada a alguém...
Em que pese os seus defeitos e limitações pessoais, François
e Louise, que eram completamente analfabetos, se desincumbiram de seus papeis
de pai e mãe de uma maneira admirável, preservando a família mesmo nessas
condições, o que torna altamente culpável a forma fácil e irresponsável com que
alguns, muito mais endinheirados e cultos, começam e desfazem as suas famílias,
nos dias de hoje.
Numa de
suas visitas visita, seu pai (ilustração acima), percebendo o estado de espírito
miserável da filha, condoeu-se dela e a levou de volta, para a miséria absoluta
do cachot. O pretexto foi a necessidade de tomar aulas de catecismo, preparatórias
para a Primeira Comunhão. Bernadette arregaçou as mangas, voltou para casa e ingressou
na ala dos indigentes da escola mantida pelas Irmãs da Caridade, em Lourdes. Graças
ao seu retorno, porém, ela poderá vivenciar para nós as suas espetaculares visões.
Bernadette
se esforçando, em vão, para reproduzir o
momento ‘mágico’ das aparições, no atelier do padre Bernadou. Nessa época ela estava com 16 anos, a idade aparente de Aqueró.
O Calvário de Bernadette
Uma Vidente Muito “Espoleta”
Embora vivessem em um ambiente de crise constante, sempre à
beira da extinção, nem ela nem seus pais jamais se deixaram abalar, tanto que nunca
aceitaram contribuições e esmolas dos peregrinos que afluíam a Lourdes, após o
“sucesso” das aparições, por mais generosas que fossem.
No ambiente doméstico havia muita oração e paz de espírito,
com tanto o pai quanto a mãe se esforçando ao máximo para manter um clima de
respeitosa paz conjugal, apesar de tudo, e do apelo constante à violência,
típico da pedagogia da época e da rudeza natural, mas ainda cheia de nobreza e
lógica, do mundo campônio.
Bernadette, apesar de sua saúde frágil e dos constantes
ataques de asma, nunca foi de se “encostar”, estando sempre disposta a ajudar e
a encarar qualquer tarefa, por mais dura que fosse. Não teve sequer o direito
de ser amamentada pela mãe, e desde muito cedo teve que assumir o papel de mãe
substituta, para os irmãos, e encarar responsabilidades bem acima do comum para
a sua idade, enquanto os pais saíam para fazer algum “bico”.
Uma de suas brincadeiras
preferidas, junto com irmãos e primos, era fantasiar estarem todos reunidos
degustando uma saborosa refeição – a fantasia como válvula de escape, ante uma
ameaça crônica – organizada pela compenetrada Bernadette, a mais velha entre
eles. Havia, porém, um primo muito levado que, de vez em quando, por provocação,
virava o conteúdo invisível de seu “prato” ou das “panelas”, também invisíveis,
no chão, recebendo, pela “arte”, um vigoroso bofetão no rosto da primona, logo
seguido de um pedido de desculpas, de nova arte, e de novo bofetão, adiante.
Sim, não havia nada de delicado, de fino em Bernadette. O
seu olhar transparece ao mesmo tempo uma meiguice e uma firme personalidade, um
caráter invencível, sem nenhuma moldura que atenuasse o seu aspecto agreste.
Uma típica camponesa esquecida, de uma região esquecida da França.
Certa vez foi trabalhar como atendente em um cabaré – céus,
mas é isso mesmo! – de sua madrinha Bernade, que mantinha as aparências de uma
pousada “honesta”, exigindo boas maneiras dos frequentadores, e criando o maior
“barraco”, quando ficava sabendo de algum falatório. Por conseguinte, ninguém
tocava no assunto. Como balconista, porém, Bernadette foi um desastre. Contaminada
pela generosidade do pai, sempre insistia que os clientes se servissem mais um
pouco, pelo mesmo preço, principalmente quando suas amigas iam lhe visitar, o
que se tornou cada vez mais comum. Bernade, já escaldada pelo cunhado, não
hesitou: deu-lhe o bilhete azul.
Criada num ambiente pobre e inculto, só recentemente o burgo
de Lourdes fora favorecido com uma escola pública para meninas, devido à lei
Falloux, de 1850, Bernadette não só era analfabeta como inculta, e sua
inteligência só funcionava bem nas coisas concretas. Sua capacidade para
entender conceitos abstratos e reter definições era precária. Sua mãe-de-leite,
percebendo a sua dificuldade em captar os ensinamentos do catecismo disse-lhe
certa vez: “Você é muito ignorante; nunca vai aprender nada”. Dotada de um
profundo senso de realidade, e de uma autoimagem clara, sem fantasias, ela
nunca procurou para si mais do que era capaz, mesmo quando as chances se
amontoavam aos seus pés, mas também, dotada de um profundo senso de dignidade e
nenhum pingo de autocompaixão, ela jamais assumiu o estereótipo da “coitadinha”,
encarando todas as dificuldades, com cabeça erguida e serena nobreza.
Ela quase deixou de
receber a primeira comunhão por não ser capaz de memorizar os ensinamentos do
catecismo. Empacou fortemente logo com a definição de “Santíssima Trindade”, mas
mostrou uma inteligência prática ao organizar de maneira exemplar a enfermaria
das Irmãs da Caridade de Nevers, no fim da vida. Uma coisa, de fato, é a
cultura pessoal e outra, bem diferente, é a inteligência. Bernadette só
aprendeu a ler e escrever quando já era quase adulta. Ela sequer sabia falar o
francês, falava apenas o antiquíssimo dialeto regional, o ocitano, uma variação
do provençal, que, entre outras coisas, compareceu fortemente na formação da língua
portuguesa, mas, além disso, era uma pessoa que tinha muita iniciativa, era bem
humorada, com o dom da resposta pronta, de uma lógica desconcertante. Dizem que
ela era razoavelmente autoritária, que gostava de se sentir dona da situação,
embora não haja notícia de alguém que tenha sido prejudicado ou humilhado por
ela, enquanto a recíproca está longe de ser verdadeira.
Era virtuosa sim, mas não heroica. Enquanto estve pela
segunda vez na casa de sua mãe-de-leite, fugindo, a convite, da miséria do “cachot”,
ela foi duramente brutalizada por aquela, que, por alguma razão, começou a
associar a sua protegida à morte prematura de seus três filhos. Era-lhe oferecida,
cada manhã, tipo uma pasta de milho grosseira, mas muito popular, que lhe
revirava o estômago cruelmente – no cachot os pais faziam um sacrifício e lhe
ofereciam um queijo melhor para seu estômago sensível. Ela fazia bolotas com
aquela “gororoba” e as atirava às ovelhas que, nessa época, pastoreava.
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http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/c/c6/Grotte_Massabielle.jpg
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Aspecto atual da gruta de
Massabielle.
A primeira se deu no dia 11 de fevereiro de 1858, em uma reentrância
de rocha, chamada impropriamente “gruta” de Massabielle, à margem esquerda do
rio Gave, um riacho, para os padrões brasileiros, para onde Bernadette, sua irmã
Toinete e uma amiga tinham ido para coletar lenha. A irmã e a amiga foram na frente,
e enquanto ela tirava as meias, para poder atravessar um braço do rio, sentiu,
a princípio uma brisa inesperada – um fenômeno comum em algumas teofanias (Gn
3,8; 1 Rs 19,12) – seguida de um clarão e da visão de um vulto, como que de uma
jovem mulher, que lhe apareceu, no nicho mais alto de Massabielle.
Afinal, o que foi que ela
viu? Bernadette nunca afirmou por iniciativa própria, que vira Maria, a mãe do
Senhor, e sempre resistiu aos que queriam supor isso, nomeando as aparições
com o termo vago e indefinido, de “Aqueró”, que em ocitano quer dizer “aquilo”.
E como
era Aqueró? Segundo ela, seria uma jovem entre 16 e 17 anos, muito bonita, o
que provocou uma decepção geral, afinal sempre se pintara a senhora dos céus,
Maria, como uma senhora madura, mais compatível com aspecto de uma grande rainha,
nos padrões terrenos, e de forma alguma consentiram em representar Maria assim
tão jovem, representando-a como uma senhora, para tristeza de Bernadette, que
via ou projetava nela seu ideal de juventude e pobreza, as vanguardas da resistência
à sociedade que despontava no horizonte.
Enfim,
a Rainha dos Céus não passava de uma jovenzinha, justo no momento em que filósofos
e educadores, adaptados ao ideal burguês da disciplina fabril, tendiam a
demonizar a adolescência e a juventude, fases em que o ser humano não produz,
ou produz pouco, e consome muito, pregando uma pedagogia de punições e
chibatadas, para por esses “endiabrados” nos trilhos da boa conduta,
principalmente quando entravam na adolescência, e deixavam de ser os anjos de
inocência da infância.
Aqueró
sorria com frequência, inclusive quando ela e suas amigas lhe atiraram água
benta, tentando afugentá-la, ante a possibilidade de aquela ser uma parição
demoníaca, ou quando Bernadette lhe vinha com um pedido despropositado de alguém,
quando então se limitava a dizer: “Isso não é necessário”, ou mesmo quando de
alguma “escorregada” da vidente. Os seus gestos eram suaves, breves e serenos,
e aparentemente falava muito pouco, inclusive rezava o terço com Bernadette de
boca fechada – não faria sentido ela rezar para ela mesma, se é que era o quem
nós pensamos que seja – embora se saiba que confiou alguns segredos à sua
vidente, que nunca os revelou.
A
respeito desses segredos, certa vez lhe perguntaram se ela os contaria ao bispo.
Ela respondeu: “Não é necessário que ele os saiba”. “E ao Papa?” Insistiram. “Aí eu vou pensar”, respondeu. Nela a
obediência e a submissão à Igreja Católica era visceral; e devesse ainda
considerar que o Papa não teria curiosidade sobre esse assunto, se não fosse a
isso movido pelo Espírito Santo, ou pela própria Aqueró.
Dando
sinais de que recebera a mais fina educação, Aqueró era toda gentileza. Ao
fazer um pedido a Bernadette sempre dizia: “Você pode, por favor, me fazer a
bondade de...” Embora, às vezes, fizesse pedidos estranhos, como no dia em que
pediu a Bernadette que escavasse o chão próximo à parede do rochedo e bebesse
da água, imunda, que dele afluiu, além de esfregar lama no rosto e comer umas
ervas que cresciam ali.
Esse
fato, ocorrido logo nas primeiras aparições, com centenas de pessoas presentes,
foi muito impactante, exigiu-lhe muita coragem, pois vários dos presentes
começaram a murmurar em alta voz que ela enlouquecera e que tudo não passava de
um embuste; mas Aqueró pedira-lhe esse sacrifício pelos pecadores. Noutra ocasião,
ela também revelou que Aqueró recomendava às pessoas fazerem penitência em
favor dos pecadores.
Aqueró
propagandeava a devoção do terço, invariavelmente ela aparecia com um belo terço
à mão, e, em geral, rezava um rosário com Bernadette, antes de lhe revelar
alguma coisa. Daquele jeito: com a boca fechada, só mexendo com as contas. Vários
de seus discretos movimentos eram automaticamente repetidos pela vidente, com
se esta e a aparição fossem uma coisa só.
Várias
testemunhas afirmavam que nesses momentos o semblante de Bernadette se
transformava. Uns perceberam que a sua pela ficava branca como cera, com se
fosse desmaiar; é que a carne resiste ao espírito e sofre com a intensificação do
mundo espiritual, de onde se vê o grande engano em que incorrem aqueles que
buscam nas práticas religiosas, supostamente espirituais, o conforto para a sua
carne ou o sucesso nesse mundo. São cegos guiados por cegos (Mt 15,14). Outros,
no entanto, diziam que o seu rosto mudava e adquiria uma beleza estranha,
indescritível, mas claramente visível – o primeiro fotógrafo de Bernadette, padre
Bernadou, que a fotografou entre 1861 e 1862 (ela é o primeiro santo a ser
fotografado), tentando reproduzir o momento da aparição, se exasperou, certa vez,
dizendo-lhe: “Não é essa a cara que você fazia quando estava lá [em Massabielle]!”
Ao que ela respondeu: “Mas ela [Aqueró] também não está aqui!”
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momento ‘mágico’ das aparições, no atelier do padre Bernadou. Nessa época ela estava com 16 anos, a idade aparente de Aqueró.
O Calvário de Bernadette
Em uma das primeiras aparições, Aqueró
lhe teria dito “eu não prometo lhe fazer feliz nesta vida, mas na outra”; e a
profecia que se realizou desde a primeira aparição, quando, ao chegarem em
casa, Toinette, a irmã dela, apesar da promessa de guardar segredo, relatou a
visão de Bernadete para a mãe. Ambas levaram uma boa surra de bastão.
Noutra
oportunidade, quando ela experimentou um êxtase profundo, e foi necessária a
ajuda de terceiros para tirá-la do lugar. Chamado pelas irmãs de Bernadette, o
jovem e forte moleiro Antoine teve uma dificuldade imensa de lhe tirar do chão,
embora ela só medisse 1,4 m de altura, e pesasse em torno de 30 quilos; Antoine
percebeu que o seu peso diminuía, quando os seus olhos eram encobertos. Sua mãe
já chegou brandindo o bastão, e teria lhe dado uma surra inesquecível, se
vizinhos e amigos não tivessem intercedido.
Mas o pior estava por vir. As notícias
se espalhavam rápido pela pequena vila de Lourdes, e, imediatamente, jovens
desocupados e adultos folgazões começaram a fazer trocadilhos jocosos e
humilhantes com ela, que diziam em voz alta, com grande estardalhaço, sempre
que Bernadette passava.
Na ala dos indigentes da escola das
irmãs de Caridade, que Bernadette frequentava, as freiras acompanharam a crença
mais geral de que tudo não passava de um embuste ou de fantasias tolas da
cabeça de uma adolescente, e começaram a reprimi-la com rudeza, chamando-a
“velhaca”, como era da crença pedagógica da época, procurando afastá-la daquilo
– como quem dá umas tapas em alguém durante um ataque de histeria, para tirá-lo
daquela condição. Mas Bernadette não estava histérica... Após a segunda
aparição, uma professora lhe pegou pelos ombros e a sacudiu vigorosamente
dizendo: “Sua criança louca! Louca! Se você voltar à gruta será presa!”
Mesmo aqueles que acreditavam a faziam
sofrer, incomodando-a, e à sua família, com suas expectativas e pedidos
absurdos. Tal aconteceu com uma tal Madame Milhet, uma antiga criada que subira
na vida casando com o patrão, e agora, que era viúva, se sentia a “dona do
pedaço”.
Por alguma razão essa desmiolada pôs na
cabeça que Massabielle era uma porta do purgatório, e que Bernadete estava
vendo o espírito de Elisa Latapie, ex-dirigente das Filhas de Maria, falecida
recentemente. Essa senhora devia estar sendo influenciada pela última moda de
Paris, que eram as demonstrações “espíritas”, feitas por diversos charlatães, e
homens como Allan Kardec, no o início dos 1850. Era “fino” crer nessas
experiências “espirituais”, participar das sessões de ‘mesas dançantes’.
Fazendo valer a força da fortuna do
falecido, Mme Milhet impõe que a pobre Louise lhe empreste a sua primogênita,
para ir morar na sua casa, como sua “protegida”, para ter melhor controle sobre
as parições. Pela primeira vez, nos últimos anos, ela soube o que é uma vida de
fartura. Esse fato, porém, tocou nos brios, ciúmes, carências e sentimentos de
culpa da poderosa madrinha Bernada, que interveio, e trouxe Bernadette de volta
para o cachot. Sem nenhuma reclamação ou lástima da parte dela.
Mesmo depois que as aparições ficaram
famosas, e quase ninguém mais duvidava delas, a sua vida e a de sua família foi
muito perturbada pela legião de peregrinos que queria conhecê-la pessoalmente,
e ao local onde morava, acontecendo do cachot, por vezes, ficar lotado por
estranhos, e nem precisava ser muitos, além de centenas de outras pessoas
cercando o local pelo lado de fora. A coisa ficou tão séria, que ela foi
enviada pelo juiz Pougat, a uma estação próxima, durante quase duas semanas, em
maio, para descansar. Embora sob vigilância constante do comissário local, que
só relatou coisas boas sobre ela – recusava ser veículo de milagres e não
aceitava ajuda financeira.
As situações mais embaraçosas
aconteciam quando os peregrinos se aproximavam, compadecidos por verem a ela e
a sua família tão pobres, tão longes da prosperidade burguesa, e lhe ofereciam
dinheiro ou presentes. Ela os pegava e atirava-os ao chão ali mesmo. Mais tarde
ela nem se deu mais ao trabalho de pegá-los, limitando-se a dizer: “Faça-me o
favor de queimá-lo, por mim”. Mesma atitude apresentavam seus pais e irmãos,
que só foram resgatados da miséria, quando um padre conseguiu um empego de
moleiro para François, em um novo moinho, e ele e sua esposa acabaram seus dias
em modesta, mas digna, situação.
Por vezes nem seus próximos lhe
deixavam em paz. Na aparição de 7 de abril, Bernadette, em êxtase, põe as mãos
em concha muito próximas da chama de um círio, que fica passando entre seus
dedos, os mais próximos veem e se horrorizam, entre eles o médico da cidade,
Dozous, um agnóstico, que após examinar suas mãos dela, intactas, apesar de
mais de dez minutos entre as chamas, se converte e se torna um de seus mais
fervorosos adeptos. Ao chegar em casa esse era o assunto de todos, e uma amiga
dela, a sacristã da igreja, pediu-lhe que ela ficasse de mãos postas em oração,
como estava na gruta. “Fecha os olhos”. Ela fechou, e a sacristã meteu-lhe uma
vela acesa entre os dedos. “Você está me queimando!”, gritou ela. A irmã mais
nova de Bernadette, pensando que era uma brincadeira, já foi chegando com a sua
vela acessa: “Eu também quero [queimar Bernadette]”. E ficaram testando uma na
outra; “Ai!”, “Ai!”...
Bernadette se afastou logo dali.
“Tontas!”
As Autoridades se Manifestam
http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/8/8d/Procureur_de_Lourdes_Dutour.jpg/220px-Procureur_de_Lourdes_Dutour.jpg
As Autoridades se Manifestam
http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/a/a0/Vue_du_fort_de_Lourdes_Charles_Mercereau_vers_1860.jpg/1024px-Vue_du_fort_de_Lourdes_Charles_Mercereau_vers_1860.jpg
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Postal
de Lourdes em 1860. À direita vemos um pequeno trecho do Gave; ao centro a prisão
fortaleza; e à esquerda a cidade, da qual se destaca a torre da igreja.
Lourdes era uma pequena vila de 4.000
habitantes, em 1858. Numa comunidade desse tamanho, qualquer acontecimento
extra, a mudança de rotina de um único cidadão, não passava despercebida, ainda
mais quando para ela afluíam milhares de peregrinos, vindos de cidades próximas
e regiões distantes – nas últimas aparições já havia mais de 5 mil pessoas
presentes, superior a toda população da cidade! As autoridades não podiam ficar
de braços cruzados.
Nessa época havia uma forte afirmação
do gênio humano e das ciências naturais, que prometiam explicar tudo, nesse
mundo e no outro, inclusive os supostos fenômenos espirituais, tratados na
maioria das vezes como perturbações mentais, charlatanismo, etc., além do poder
da burguesia e a moral do capital, o que os levava a desprezar e denunciar a
pobreza como resultado dos desacertos de mentes preguiçosas, incapazes e
ignorantes, quando não de taras organicamente adquiridas. A mulher é um ser inferior,
seu cérebro é menor, e a sua intuitividade era vista como herança do passado
bárbaro e primitivo, da espécie, e de uma incapacidade estrutural para o
pensamento lógico, de onde o seu apego natural pela religião.
Havia também, essa era a outra face da
moeda, uma crença da superioridade do estado laico sobre a Igreja, que fez
muitos países da Europa, avançarem sobre as propriedades, além do controle administrativo, e até da cura espiritual, da Igreja, vista como um resíduo
medieval, movido por uma ideologia ultrapassada, entre os quais um dos mais
ativos era a França. Essa tendência chama-se genericamente “regalismo”. O
estado laico, portanto, empurrava a Igreja contra a parede, assenhorando-se de
seus bens, depreciando o seu patrimônio espiritual: “um cipoal de mitos e
lendas, para mulheres, crianças e doentes mentais” Foi com esse espírito que as
autoridades públicas de Lourdes trataram a jovem vidente, que tinha tudo contra
ela: era jovem, do sexo feminino, pobre, pequenininha e sem estudos. Mas tiveram
uma surpresa!
http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/a/a5/Anselme_Lacad%C3%A9.jpg/170px-Anselme_Lacad%C3%A9.jpg
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Em primeiro lugar, encontrava-se o sub-prefeito
Anselmo Lacade (foto), um político ativo e empreendedor, que tomou várias
medidas no intuito de melhorar a cidade. A princípio ele ficou desconfiado e
contrário ao que estava acontecendo, mas, “liso” como só os políticos costumam
ser, rapidamente percebeu as oportunidades que se abriam, com o afluxo de
peregrinos, e tentou se adaptar aos novos tempos, investindo muito na criação
de infraestrutura para receber os peregrinos.
http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/f/fe/Dominique_Jacomet.jpg/220px-Dominique_Jacomet.jpg
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Noutra linha seguia o delegado
Dominique Jacomet (foto), que, ignorando escandalosamente a lei, mandou um
soldado trazê-la à delegacia, apesar de desacompanhada de familiar. Jacomet, o
“zorro” do Médio-Pirineus, estava tão convencido da farsa e do seu poder de
desmascarar embusteiros, que nem se deu ao trabalho de elaborar uma linha de
interrogatório consistente, nem em seguir as normas legais previstas pela legislação,
afinal ele era “macaco velho”, experiente, conhecedor das manhas do ofício, e
estava firmemente convencido de lidaria com uma pilantra ou uma mera garotinha
sugestionável, e para deixá-la impressionada compareceu ao interrogatório
trajando o chamativo uniforme de polícia, com um espalhafatoso boné vermelho,
de onde pendiam borlas douradas.
Ele bem que tentou, e tentou muito, mas
não conseguiu dobrar a serenidade e a consistência das declarações da pequenina
camponesa; sequer conseguiu extrair dela a promessa de não mais ir à gruta,
logo quando ela acabara de prometer a Aqueró comparecer por mais quinze vezes
ao local. Por fim ele perdeu as estribeiras. As pessoas que estavam na sala ao
lado o ouviram, em voz alta, dizer, ou sugerir, que Bernadette não passava, ou
queria ser uma “pequena prostituta”, de uma “bêbada”, uma “velhaca mentirosa” –
talvez por ela já ter trabalhado em um cabaré. A chegada do pai de Bernadette,
seguido de uma multidão, veio livrar ao pobre comissário de ser totalmente
desmoralizado por uma adolescente, encerrar a carreira com um desatino ou
sofrer um ataque cardíaco. Quando chegou em casa e lhe perguntaram o que
acontecera, Bernadette se limitou a dizer, entre risos e trejeitos, que “o
comissário estava muito nervoso, e quando ele falava as borlas do seu boné
faziam ‘tin’, ‘tin’”. Como os adolescentes são cruéis!
Não devemos, no entanto, ser muito
severos com o comissário, pois ele sempre cumpriu com zelo o seu dever e ajudou
a muita gente em Lourdes, durante a epidemia de cólera. Nas últimas aparições,
inclusive, ele e os seus homens estavam lá, protegendo a Bernadette da
inconveniência dos peregrinos, Jacomet era apenas demasiado “comum”, bem
diferente da autoridade que lho seguiu, pois no dia 25 de fevereiro ela foi
convocada para se apresentar ao procurador imperial o Sr. Dutour. Ela foi
seguida da mãe e de um primo, mas este foi proibido de entrar, sob a promessa
de que nada aconteceria às duas.
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Vital Dutour (foto), era um homem
excessivamente sério, estritamente burocrático e afetivamente enrustido, que
escondia por trás normas legais e dos ritos burocráticos um profundo sentimento
de inferioridade, uma infelicidade familiar, que ele compensava com o olhar “neutro”
e superior com que mirava as pessoas. Absorvera ao longo de sua formação
acadêmica toda a ideologia do iluminismo e do liberalismo burguês, cevando-se
de preconceitos contra a igreja, os pobres (talvez ele até viesse de uma
família pobre) e as coisas da religião, em geral. Estava decidido a acabar com
aquela história, mesmo que fosse necessário apelar para um ardil.
Como Jacomet ele também começa fingindo
estar interessado na história da menina, para em seguida tentar confundi-la,
adulterando as suas palavras e o depoimento dado ao comissário, sempre
corrigido, no ato, pelo espírito cristalino e ágil de Bernadette, e assim como
o comissário ele tenta induzi-la manhosamente a não ir mais a Massabielle. Em
vão. Apela para a mãe, sem sucesso. Por fim, abusando a boa fé e da ignorância
das duas, manda alguém ir chamar o comissário Jacomet para levá-las presas imediatamente.
Bernadette não cede. Nesse momento Louise começa a passar mal, e há um
corre-corre, logo depois o mensageiro chega dizendo que Jacomet estava
“ocupado”. A situação fora tão estressante, que quando os funcionários entraram
na sala para acudir a mãe, Bernadette estava sentada no chão. Alguém lhe
ofereceu uma cadeira, mas ela recusou com sarcasmo: “Obrigada, mas eu não quero
sujá-la”. Paciência de santo não é infinita.
Posteriormente, Dutour destruiu as
anotações feitas no interrogatório, e ao invés de relatar o que ocorrera para
seus superiores, limitou-se a atacar genericamente a família de Bernadette,
chamando atenção para as suas poucas letras, repercutindo, inclusive, fofocas
malevolentes que atribuíam à mãe dela, de um apego exagerado ao vinho. Sobre esse
episódio, ela comentou: “Quem escreve cruz em papel, é gente que não sabe ler e
escrever”, essa não vivia dormindo, “o senhor procurador não parou de fazer
cruzes no papel”. Adolescente, pobre, sob uma pressão imensa, ela nem assim
perdia a visão sobre o que se passava a seu redor, e atinava corretamente o que
estava acontecendo, o embuste de tudo aquilo e o descontrole emocional de
Dutour, um poço de erudição jurídica e estima social, diante de uma
“desprezível” camponesa adolescente.
Dutour não se deu por vencido, mas a
sua situação também não é confortável, pois muitas pessoas de alto nível social
e político, da cidade, começam a se passar para o lado dos Soubirous. O próprio
Senhor Pougat, juiz, e mais alta autoridade pública de Lourdes, vai à casa da
família Soubirous para orientar a François, em virtude das ameaças veladas que
Dutour, amiúde, lhe fazia, aproveitando-se inclusive de que, no passado,
François fora acusado de roubar dois sacos de trigo – uma acusação gratuita,
justificada apenas pela pobreza extrema em que vivia com sua família. ninguém
mais do que ele, na lógica do dono do moinho, teria motivos para perpetrar o
roubo, logo... François ficou oito dias na prisão, e foi solto pelo mesmo
motivo que o fizeram encarcerar: a excessiva pobreza de sua família.
Em 18 de março ela foi novamente
convocada para um interrogatório, desta vez na presença dele, Dutour, do
comissário Jacomet, o prefeito e o secretário do prefeito, e, segundo as
anotações do comissário, Bernadette tranquiliza-os a cerca dos segredos que
Aqueró lhe contou, e que o vulgo aumentava sem cessar, já especulando sobre o
fim do mundo, como sempre acontece nesses casos: “Garanto que não há nada de
terrível neles, senão olhem para mim!”, disse ela, da mesma forma que recusou
ter efetuado qualquer cura, inclusive de uma menina cega, que quis lhe tocar.
Jacomet anotou no seu diário que naquele dia ela parecia hesitante: “Não estou
bem certa se ela falou de uma capela ou de uma procissão...” Por fim foi-lhe
dada uma ordem para que não retornasse à gruta, ao que ela respondeu vagamente:
“Eu não sei se retornarei mais à gruta”.
No relatório final Dutour procurou ser
conciliador, reconhecendo que de fato Bernadette viu alguma coisa, que agia de
boa fé, mas que nem ela nem a sua família estavam tirando proveito da situação,
e que se comprometera a não mais ir à gruta. Vitória deles? Nem tanto, pois o
Evangelho prega a submissão às autoridades constituídas (Mt 22,21; Pd 8,5; Rm
13,1), além de que a verdadeira adoração prescinde da presença e de um lugar
específico (Lc 7,7; Jo 4,23). Ela estava amadurecendo na sua fé, e já não precisava
tanto, como no passado, enfrentar aos outros abertamente, afinal só se
beneficia da salvação aquele que a busca, seja aonde for. Cada um deve ser o
primeiro responsável por sua própria salvação, sem falar que não adianta falar
da fé, a quem não quer crer (Mt 7,6; Eclo 22,9-13).
De fato, a última aparição ocorreu com
Bernadette distante de Massabielle, ajoelhada na outra margem do Gave,
inclusive quando já havia um tapume erguido pelas autoridades diante de Massabielle.
Ela relatou que nesse encontro foi transportada em espírito até a gruta, e lá
teve um encontro silencioso, face a face com a Imaculada Conceição, que não lhe
disse nada, mas só Deus sabe dos frutos espirituais que ela daí colheu.
http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/2/25/Baron_Oscar_Massy.jpg/220px-Baron_Oscar_Massy.jpg
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Depois da famosa aparição do dia 25 de
março, conta-se que, aos poucos, uma espécie de fervor místico descontrolado,
de fundo histérico, tomou conta da cidade, e impregnou a atmosfera, a ponto de
quase poder ser tocado. Mulheres e crianças começaram a narrar aparições por
tudo que é lado. A coisa parecia estar saindo de controle. Nessa época
Bernadete descansava em uma vilinha próxima. Essa epidemia de visionários, que
se propagou de abril a julho de 1858, acabou atraindo a ira de uma autoridade
mais poderosa: o prefeito de Tarbes, Oscar Massi (foto), que tinha jurisdição
sobre Lourdes, a pretexto de defender a “verdadeira religião” contra o
“fanatismo” e o “charlatanismo”, ordenou que o acesso à gruta fosse bloqueado
por um tapume. A situação ficou tensa, e por três vezes a população o destruiu
na marra, só sossegando, quando percebeu que Bernadette não aprovava aquelas
ações, que ela não seria uma Joana D’Arc sem causa. Se aquilo aconteceu, é
porque Deus o permitira.
A própria Bernadette foi vítima da
fúria iluminista de Massy, sendo obrigada a apresentar-se diante de uma junta
de médicos, com a clara missão de encontrar e denunciar qualquer indício de
distúrbio mental na vidente. Foi no dia 27 de março. De fato, a saúde física
dela era um desastre, mas a sua mente era tão robusta, tão lúcida, que os
médicos, constrangidos, emitiram um laudo que não dizia nem uma coisa nem
outra, uma vez que não podiam nem alardear o vigor mental de Bernadette nem
atender ao prefeito, sem se desmoralizarem profissionalmente.
A situação começou a mudar quando uma
dama da mais alta nobreza da França foi detida por pegar água da fonte, o que
era proibido e acarretava multa. A condessa Caroline Felicité, viúva de um
famoso almirante, e dama de companhia da imperatriz Maria Eugenia, esposa de
Napoleão III, Imperador da França, fora a Massabielle pegar um pouco da água da
gruta, que já tinha fama de milagrosa, para ministra-la ao filho do casal
imperial, que passava por problemas de saúde na ocasião. A criança, de fato,
melhorou, mas nunca se chegou a uma conclusão segura da sua moléstia e se a
água realmente fez diferença, embora para a imperatriz isso fosse “líquido” e
certo. E começou a pressionar marido.
http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/3/39/Adolphe_Yvon_-_Portrait_of_Napoleon_III_-_Walters_3795.jpg/220px-Adolphe_Yvon_-_Portrait_of_Napoleon_III_-_Walters_3795.jpg
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A situação de Napoleão III (acima),
entretanto, não era tão simples. Homem medíocre e sem muito tino de governo,
fizera-e cercar por áulicos conservadores e corruptos que minavam a cada dia a
credibilidade de seu reinado, e que, por isso, precisava muito da boa vontade
dos liberais franceses, regalistas e anticlericais, para continuar no poder.
Mas ele também precisava agradar ao outro lado da balança, os partidos
católicos, razoavelmente fortes no país. Ele agradou aos liberais, abandonando
o Papa, na Itália, à sua sorte, e agradou aos católicos, internamente,
liberando a gruta, em 5 de outubro.
Napoleão III capitaliza para si a
gratidão do eleitorado católico do Médio-Pirineus, enquanto o prefeito Oscar
Massy, inclusive por pressão da imperatriz, é transferido para Grenoble, onde
morrerá, em 1862. Para lá irá também o comissário Jacomet, onde fará um bom
trabalho, e deixará um diário muito detalhado sobre os acontecimentos de
Lourdes.
A Posição do Clero
Em três palavras: cautela, cautela,
cautela.
Isso se devia principalmente aos
acontecimentos estranhos ligados à controvertida aparição de Maria, em La
Salette, em setembro de 1846, que quase destruiu a vida dos videntes Melanie
Salvat e Maximin Giraud, e deu munição a grupos anticatólicos, sem falar que a vida
dessa gente não é fácil, pois a graça vem sempre acompanhada de uma cruz
proporcional, que não é para qualquer um – quem busca por milagres
espetaculares e aparições neste mundo, não sabe no que está se metendo. Além do
mais, a Igreja, guardiã da mensagem que leva a essas aparições, é de certa
forma responsável pelo bem e pelo mal que advier aos videntes, quase sempre
muito jovens.
As Irmãs da Caridade, como vimos, tentaram
demover Bernadette das visões, enquanto o padre Peyramale, não queria sequer
ouvir falar naquilo. Ele não daria um passo sequer, antes de ter certeza do que
estava acontecendo, até saber da natureza daquelas aparições: fantasia,
embuste, doença mental? Agindo assim, mesmo sabendo da grande piedade dela e da
família Soubirous, os padres preservavam a ela e aos seus dos dissabores de ser
uma “superstar” precoce – hoje, as pessoas buscam e veneram essa forma de
suicídio da personalidade.
http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/5/56/Photo_Dominique_Peyramale.jpg/220px-Photo_Dominique_Peyramale.jpg
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Dominique Peyramale (foto) era o
cura-deão de Lourdes, o vigário-geral da cidade, famoso pela sua generosidade e
dedicação pelos mais pobres, e pelo seu temperamento rude e franco. Ele ia
direto ao assunto, sem meias palavras. Ele chegara a Loudes, em janeiro de
1855, contrariado, pois fizera planos para uma paróquia maior. Hum, hum! Quando
começou o frenesi por causa da gruta, ele imediatamene procurou o seu bispo,
Bertrand-Severe Laurence, em Tarbes, que o recomendou ficar longe da gruta;
tanto ele como os seus párocos.
Em 2 de março de 1858 ocorre o encontro
inevitável. Na última aparição, Aqueró havia lhe dito: “Diga aos padres para
que venham até aqui, em procissão”. Bernadette, com medo de Peyramale, falou
sobre isso com o padre Pomian, mais bonzinho, mas ele remeteu-a ao deão. O
encontro foi tenso.
Ela a recebeu com um monte de perguntas
claramente hostis, jogando nelas todas as suas suspeitas sobre a integridade do
caráter de Bernadette, uma pessoa que era muito jovem, muito pobre, muito
ignorante, que trabalhara em um cabaré, etc. Quem lhe daria crédito? Mas ela,
nervosa, responde a tudo com relativa serenidade e firmeza, até que se chegou a
um impasse completo: para quem seria dirigida a procissão, afinal Aqueró ainda
não revelara o seu nome. Fulo da vida, ele perde a paciência de vez, e passa a
destratar, em voz alta, as duas tias de Bernadette que a acompanhavam, e as
enxota da casa paroquial.
No caminho ela se recordará do segundo
pedido de Aqueró: a construção de uma capela, mas só encontrará uma amiga com
coragem suficiente de encarar o deão, uma segunda vez, ao lado dela. O encontro
foi à noite, e havia outros padres com Peyramale, que a recebeu com ares de
enfado. Ela estava tão nervosa que, após falar do pedido, acrescentou: “pode
ser uma capela pequeninha mesmo”. Pela primeira e única vez ele acrescentava
algo às palavras de Aqueró, de tão nervosa, pois aprendera que ira de padre era
sagrada, e ainda teve que se submeter a uma sabatina dos padres curiosos sobre
o que acontecia em Massabielle.
Se os padres estavam curiosos, porque
não foram lá conferir? Naquele dia, por sinal, um, desafiando as ordens do Bispo,
fora à gruta, assistiu a tudo bem de perto, e ficou impressionado. Voltando ao
seminário de Saint-Pé, próximo à Lourdes, e, talvez até com peso na
consciência, a padre Antoine Dezirat, resolveu contar o que vira a um de seus
professores, o conceituado padre Sempé. Ao ouvir início do relato, o padre
Sempé desata numa espalhafatosa gargalhada, como a dizer: “como você foi atrás
de uma bobagem dessas?”, e encerrou o assunto, deixando o padre Antoine com
cara de bobo, sem saber que dez anos depois, ele, Sempé, seria o primeiro
superior do santuário das aparições.
É curiosa essa resistência de Aqueró em
revelar o seu nome, mas se pensarmos bem, se já no início ela tivesse dito que
era a Virgem Maria, só Deus sabe do sofrimento que teriam passado Bernadette e
sua família, despreparados para tal honraria. Porém, em 25 de março, algo
aconteceu. Bernadadette, após uma hora em êxtase, levanta-se afobada para ir à
casa paroquial.
Acontece
que, naquele dia, Bernadette estava decidida a só sair dali depois que soubesse
o nome de Aqueró, e como não dominasse bem a sua língua ela disse: “a senhora
pode ter a ‘vontade’ de me dizer seu nome?” É que a palavra “vontade”, em
ocitano, é semelhante a “bontade”, só que é uma palavra maior e mais difícil, e
Bernadette queria ser solene à sua pergunta. Segundo ela, Aqueró abriu um
imenso sorriso ao ouvir aquilo, e mais ainda quando ela repetiu a pergunta pela
segunda vez, de forma errada. Parecia até que Aqueró se continha para não
gargalhar. Na terceira vez, como na confissão de Pedro (Jo 21), Aqueró mudou a
expressão, deixou os braços, caídos, se abrirem para os lados, e depois ergueu
as mãos até o peito, em postura de oração, olhou para cima e disse em língua
ocitana “Que soy era Immaculada Concepciou”. Bernadette seguiu repetindo,
aquilo que ela entendeu dessa frase, até chegar à casa paroquial.
Mal viu o padre já foi dizendo:
“Immaculada ‘Counchetsiou’”. “Como?” Diz Peyramale. “O nome da aparição:; Immaculada ‘Conhetsiou’”. Ele
arregalou os olhos e ficou pálido, pois percebia, inclusive pela pronúncia
errada, que ela não inventava aquilo. “Alguém, no catecismo, já lhe falou sobre
isso?” “Não”. Ele conferiu mais tarde. Aquilo era atordoante; empalideceu e seu
coração disparara. O dogma da Imaculada Conceição fora definido pelo Papa Pio IX,
quatro anos antes. Muita gente entre os católicos de regiões remotas, e até
padres em áreas de missão, talvez não o conhecessem, em virtude da precariedade
das comunicações na época. Peyramale o conhecia. Nervoso, ele pediu que
Bernadette fosse para casa e não falasse daquilo com ninguém. Ela retirou-se
cabisbaixa e decepcionada, afinal aquilo não lhe fazia sentido, e ela
continuava sem saber quem era a misteriosa jovem.
Peyramale, decerto, se controlou, mas
só Deus sabe das lágrimas que derramou nos seus aposentos, posteriormente, pois
o clero, mais do que ninguém, sentia a hostilidade crescente do mundo moderno,
industrial, burguês, contra a Igreja Católica, na pessoa tanto do Papa como nos
padres, e como, nos últimas décadas, desde a sangrenta Revolução Francesa, o
catolicismo perdia espaço e prestígio, encurralado em toda a Europa. E agora
ali, naquele “fim de mundo” esquecido por todos, pela boca e os olhos da mais
miserável de suas paroquianas, um poderoso sinal dos céus vinha em socorro da
Igreja, levantar a fé dos que desfaleciam ou se acomodavam; talvez ele próprio.
Ele, que tanta questão fizera de ir para uma paróquia maior, graças ao fato de
estar ali, num dos mais insignificantes vilarejos do país, tornara-se
testemunha e co-partícipe de um acontecimento espetacular, pelo qual milhões
aspiram e poucos têm a graça de presenciar, algo que pode ter repercussão na
Igreja Universal. Toda a sua vida, decerto, não valia aquele momento. Como os
caminhos de Deus são surpreendentes! A partir daí Peyramale se tornará um
adepto e fervoroso defensor incondicional dos interesses de Bernadette.
http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/e/ef/Bertrand-S%C3%A9v%C3%A8re_Laurence.jpg/220px-Bertrand-S%C3%A9v%C3%A8re_Laurence.jpg
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Em
17 de julho, ela tem contato pela primeira vez com um bispo: Charles
Thomas-Thibault, bispo de Montpellier, que fala ocitano, e se toma de simpatias
por ela. Ele tenta lhe dar um rosário com incrustações em ouro, que ela recusa,
da forma mais gentil possível. Em seguida veio Paul-Armand Cardon de Garsinies,
oriundo da alta nobreza, bispo de Soissons, que também se encanta por ela, e,
como Thomas-Thibault, vai até o bispo de Tarbes, Bertrand-Severe Laurence
(acima), pedir-lhe que faça alguma coisa por Bernadette. Em seguida os dois se
dirigem ao arcebispo de Auch, Louis-Antoine de Salinis, que estava de descanso
numa cidade próxima, junto com o jornalista católico mais famoso da França, Louis Veuillot, que quer também quis conhecer
Bernaette, e, após o encontro, relata, na primeira página do seu jornal, L’Univers
(O Universo), a história dela, deixando-a internacionalmente conhecida – hoje até
os anglicanos ingleses admiram e cultuam, à sua maneira, a pessoa de
Bernadette.
Sob
o patrocínio do bispo de Tarbes, Bertrand-Severe, é formada uma comissão de
padres e estudiosos que submetem Bernadette a mais um interrogatório, para
poder dar o veredito final da Igreja sobre as aparições. Mais uma vez ela se
sai com brilhantismo. Indagada do absurdo de a aparição lhe pedir para comer
ervas silvestres, como os animais, ela respondeu: “Nós não comemos salada!” Os
franceses comem, e sempre apreciaram muito, saladas. A comissão, formada em 28
de julho de 1858, dá o seu parecer final, em 28 de janeiro de 1860, quando o
bispo assume que “A Imaculada Maria, Mãe de Deus, realmente apareceu a
Bernadette Soubirous, em 11 de fevereiro de 1858 e nos dias seguintes, por 18
vezes, na gruta de Massabielle...” Reconhecimento oficial, enfim...
Abro
um parentese para alertar aos incautos, que por acaso assistam às representações cinematográficas, ou sob outra forma, do que aconteceu em Lourdes. A mais
famosa recriação desses fatos foi o filme A canção de Bernadette (The Song of
Bernadette), com Jennifer Jones, em 1943, financiado com capital judeu-protestante,
e que causou muito impacto, mas que exibiu uma cena tão falsa como infame,
mostrando Bernadette, já no fim da vida, doente, ela morreu, de fato, em 1879, entrando
numa maca!!!, para prestar esclarecimentos à comissão, que, na realidade, já
deixara de existir há 19 anos, composta por vários padres e religiosos, inclusive
dominicanos, tão associados à inquisição, quando, na verdade, foram apenas quatro ou cinco padres
seculares a interrogá-la, incluindo o bispo, e que a crivam de perguntas e dúvidas maliciosas,
como que a torturá-la. Um dos momentos mais infames e mentirosos da
cinematografia mundial. A
Vocação de Bernadette
Alguns estudiosos questionam a vocação
de Bernadette, pois ela, anteriormente, nunca demonstrara qualquer interesse
pela vida religiosa, embora, até por educação familiar, fosse muito piedosa. Ela
também nunca mostrou interesse, ao que se sabe até hoje, por algum rapaz – no
filme A canção de Bernadette, o
diretor fantasiou uma atração entre ela e um jovem moleiro, Antoine, que, na
verdade, era 15 anos mais velho do que ela e casado. Quando, ainda adolescente,
falava em casar e em ter filhos era sempre de maneira muito genérica, o destino
esperado por todas as garotas, com ou sem vocação para o matrimônio.
Em setembro de 1858, a família de
Bernadette sai do cachot para um aposento maior, e no início de 1859, afiançado
pelo padre Peyramale, François volta a gerir um moinho, e a condição financeira
da família começa melhora, enquanto a situação geral de Bernadette marcha para
o colapso: começa a surgir um culto ao redor de sua pessoa, com gente lhe
importunando por uma mecha d cabelos, para que escute histórias
constrangedoras, etc. O fluxo de peregrinos atinge, ao final do ano de 1858, 30
mil pessoas! Sob pressão popular contínua, Bernadette corre um grande perigo!
Seu estresse é enorme!
É nesse momento que, para preservá-la
do assedio dos peregrinos e terminar a sua formação escolar, e, quiçá,
profissional, o prefeito cogitou-lhe que se tornasse costureira, aparece a
ideia, dos padres e das autoridades locais, de dela passar a morar no hospício
das das Irmãs de Caridade, onde se cuidava da saúde de pobres e indigentes, o
que só acontecerá em junho de 1860, devido a resistência dela e dos familiares
em se separar. Afinal ela vai, sujeitando-se a mais uma grande perda: deixara
de ser a “grande irmã”, esteio reconhecido e valorizado de seus pais e irmãos,
para ser apenas uma “auxiliar de serviços gerais” num prédio enorme. Era a perda
de sua única identidade; mas ali ela fica mais protegida do afluxo contínuo dos
peregrinos, que ela só recebe se quiser, além de ser livre para visitar a sua
família, sempre acompanhada por uma irmã de caridade.
É
sabido a resistência que as irmãs de caridade opuseram às visões, mas não há
indícios que Bernadette tenha sido alvo de qualquer perseguição ou preconceito
em particular. De uma maneira geral, ninguém imagina o quanto a vida numa
instituição religiosa é dura, para homens e mulheres. É como um serviço
militar. Ademais que nem no hospício ela terá pleno sossego; certa vez um homem
vai importuná-la dentro da cozinha, ajoelhando-se, a pedir-lhe que ela o
abençoe. Muitos pediam-lhe autógrafo, que ela assinava: “reze por Bernadette Soubirous”,
no postal de um fotógrafo, que fez uma montagem, com o seu rosto dentro de uma
flor, ela assinou: “que absurdo!” Ela não gostava de frescuras. Quando lhe
vinham com dinheiro ela dizia: “ali há um cofre [de oferendas]”. A tentação do
deslumbramento que lhe batia à porta, justo quando sua antigas referências
desmoronavam ao seu redor.
Pessoas
que não entendem isso, nem querem refletir sobre o contexto de uma desse tipo
de fama, em um ambiente como o do século XIX, com milhões de católicos
apreensivos, vendo religiosos, padres e bispos de sua religião, ofendidos,
presos e até mortos, onde antes compunham uma elite, o 1º Estado, a Igreja
Católica só perdendo espaço e bens, sem falar de alguma possível má fé,
defendem que Bernadette foi propositalmente internada no hospício, para ser
afastada de Massabielle, para que a burocracia de igreja, os “ortodoxos”,
tomassem a frente da administração do santuário e a condução do sentido das
aparições. A respeito disso porém, há o acachapante desmentido na obra do historiador
e teólogo francês René Laurentin, que fez um estudo exaustivo sobre as
aparições coletando toda sorte de documentos, muitos inéditos, compondo uma
obra de sete volumes sobre as Aparições, Lourdes:
documents autentiques,(Lourdes,
Documentos autênticos) entre 1957 e 1966. A melhor obra sobre o assunto.
Entretanto é verdade que ela ficou no vazio, pois desde a mais tenra infância
fora treinada apenas para cuidar de seus irmãos mais novos, dos quais estava
apartada, e nunca fora estimulada à escola, à cultura,ou a ter qualquer
expectativa sobre o seu futuro.
No hospício ela dá continuidade aos seus
estudos, deixando nos seus colegas a imagem de uma colega agradável, que fugia
de conversas fúteis, mas que ri fácil, fala alto, e que gosta de brincar com
crianças mais jovens, decerto reproduzindo o ambiente doméstico. Evolui
precariamente no estudo.
Gradualmente se forma em sua mente a
ideia de entrar para uma congregação religiosa, mas sem nunca se afastar de seu
incrível senso de realidade e desapego às fantasias inúteis. Certa vez visitou
um carmelo, fascinada que estava pelas possibilidades de uma vida contemplativa,
onde foi muito bem recebida – desde quando as aparições começaram a ficar
conhecidas, várias ordens religiosas a procuraram, com o intuito de tê-la nos
seus quadros. Mas ela percebeu que a duríssima rotina do carmelo estava muito
acima de suas forças naturais, e, embora tenha recebido a promessa de uma
mitigação exclusiva da regra, ela recusou-se, alegando que não iria entrar numa
congregação para viver a sua regra pela metade!
As Irmãs de Caridade aos poucos se
rendem, embora a Madre Superiora do hospício mostre resistências à sua vocação.
Enquanto isso ela vai seguindo a rotina típica da instituição, sem se destacar
em absolutamente nada, exceto pelo imenso carinho que dedica aos doentes mais pobres.
Em setembro de 1863 a sua vocação
recebe um impulso. Theodre-augustin Forcade (acima), bispo de Nevers, e orientador
da Congregação das Irmãs da Caridade, vai visitar o hospício em Lourdes, e
Bernadette, por acaso, é a sineira. Quando o bispo chega ela bate o sino com
tanto entusiasmo que o contagia, e este lhe diz “pro, pro”, “mais, mais”,
em ocitano. Ela é no ato conquistada pelo bispo que fala a sua língua, e a
recíproca verdadeira. Certa vez, numa conversa com Forcade, ele indagou-lhe se
a sua vocação não lhe havia sido revelada durante as aparições, ao que ela
respondeu: “Ah! Monsenhor...” Como se quisesse dizer: “não me leve a revelar os
segredos que não devo contar!” Mais sintonia impossível.
http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/a/a4/Bernadette_Soubirous_en_1863_photo_Billard-Perrin_2.jpg/640px-Bernadette_Soubirous_en_1863_photo_Billard-Perrin_2.jpg
Wikipedia
Nesse ano, o fotografo Billard-Perrin,
consegue autorização para uma nova sequência de fotos de Bernadette, das quais
eu escolhi a foto acima, onde aparece toda a espiritualidade penitencial,
pesada, do século XIX, típica de uma Igreja que via o mundo naufragando, com perigo
de, ao ir para o fundo, arrastar aqueles que ainda temiam a Deus. Tão jovem, e
já com uma cruz tão pesada!
Noutra
ocasião o bispo, já cogitando com ela sobre sua entrada para as irmãs da
Caridade de Nevers, perguntou-lhe o que ela sabia fazer. Ela respondeu: “nada,
eu não sou boa para nada”. O bispo rebateu dizendo que viu ser muito boa
descascando vegetais, ela riu, mas ele a tranquilizou dizendo que, na
congregação, se encontraria algo para ela fazer.
Em
maio de 1866, foi inaugurada a cripta do santuário das aparições, e a multidão
estava tão excitada que Bernadette precisou ser amparada por um cordão de
isolamento de religiosas e policiais, para evitar que a multidão a despedaçasse
ali mesmo, no afã de obter uma relíquia. Em julho de 1866 ela parte para sempre
de Lourdes, para iniciar seu noviciado em Nevers, não sem antes uma última
surpresa, um jovem Médico, Raoul Tricquiville a propôs em casamento, por meio
de um amigo comum, que levou o recado ao bispo, que nem se deu ao trabalho de
considerar semelhante disparate.
O
período de noviciado, e os anos seguintes, como Irmã da Caridade, não têm nada
de diferente, com que a possamos destacar da imensa maioria de irmãs e freiras
espalhadas pelo mundo, era uma vocação absolutamente comum, em nada diferente
das outras, exceto pelas situações inesperadas, por vezes cômicas, que a sua
franqueza e rusticidade produzem. Diz-se que no dia de sua profissão de votos simples,
quando ela de fato iria se tornar freira, em 1867, Dom Forcade chamou seu nome,
que fora mudado para Maria Bernada. Nesse momento se dava uma atribuição à
freira, de acordo com a suas habilidades: horta, cozinha, limpeza, etc.. A
madre superiora curvou-se para o bispo e disse em voz baixa;
-
Esta não é boa em nada.
Então
o bispo diz em voz alta:
-
Irmã Maria Bernada, em qualquer lugar...
E
depois acrescenta.
-
Minha filha, você não é boa em nada?
-
Isso mesmo.
-
Mas, então, o que vamos fazer com você?
-
Eu já havia bem dito isso para o senhor, em Lourdes, quando o senhor me quis
para a comunidade.
Tudo
isso no meio de uma cerimônia toda solene.
A
Madre superiora propõe que ela seja deslocada para a enfermaria, o bispo
concorda e tentando dar algum ar de seriedade ao resto da solenidade, já que
todos se entreolhavam embasbacados, ele diz com ar afetado; “eu vos dou o
oficio da oração!” (tradução livre da Wikipedia em francês)
Nos
dias e anos seguintes Bernadette foi submetida às mais duras formas de
trabalho, principalmente os mais humildes, como é praxe na formação de
religiosas, para saber qual era a sua tempera, se ela se comportaria como
Melanioe Calvat, que influenciada pelo sucesso das visões de La Salette, entrou
cheia de exigências em um convento, indispondo-se com as outras irmãs,
abandonando a casa pouco tempo depois.
Longe
de perseguirem Bernadette, como alguns acusam, a Irmã Superiora e o bispo Forcade,
submetendo-a a treinamento tão duro, apesar de sua saúde frágil, queriam, na
verdade, protegê-la do sucesso e do excesso de amor por si mesma, inclusive do
amor e admiração que, pelo menos ele, tinha por ela. Dom Forcade era tão seu
fã, que, certa vez, ao receber o arcebispo de Reims, uma das mais importantes
cidades da França, Dom Jean-François Landriot, um cético convicto das
aparições, a conversa, por acaso, acabou em Lourdes e Bernadette. Dom Landriot,
não esperou e foi logo disparando a queima roupa:
-
Eu não acredito na sua Bernadette.
-
Tudo bem, diz Dom Forcade, a crença em Bernadette não é artigo de fé, mas o
senhor já a viu?
-
Não, nem tenho nenhuma intenção de vê-la.
-
Mas quem sabe se depois de a conhecer o senhor não muda ideia?
-
Não há esse perigo!
Pois
bem, Dom Forcade insistiu e conseguiu um encontro de Dom Landriot com
Bernadette. Ele a sabatinou com rigor, e até alguma impertinência, como um
professor ansioso por desmascarar um aluno metido a “esperto”. Ela
respondeu-lhe sempre com poucas palavras, lacônica, mas dizendo exatamente o
que ele queria saber, de sorte a não deixar dúvidas. Por fim, cansado,
despediu-se dela. Dom Forcade perguntou-lhe:
-
E então?
-
Bem que você me disse; agora eu creio nela. Eu creio porque fui derrotado. E eu
não tenho como explicar, exceto por uma assistência sobrenatural, como uma
pastorinha simples e ignorante dos Pirineus, me deixou tão fácil e
completamente batido” (traduzido da Wikipedia em francês)
Bernadette
não deixou nada escrito, mas seus contemporâneos deixaram vários testemunhos que
foram compilados, principalmente por René Laurentin. E que nos dão um retrato
muito saboroso de sua incrível personalidade.
A
irmã Emille Marcillac conta que ela obedecia escrupulosamente os horários de
silêncio, mas que era alegre e falastrona durante o recreio. Certa vez, vendo
uma irmã que só andava de olhos fechados, numa piedade excessivamente afetada e
sofredora, muito valorizada naquela época, ela disse:
-
você vê a irmã ..., se não tivesse uma companheira que ao lado, sofreria um
acidente. Por que fechar os olhos quando é preciso mantê-los bem abertos.
De
1870 a 1871, a França se envolveu numa desastrosa guerra com a Alemanha, na
qual foi fragorosamente derrotada. Um nobre, visitando Bernadette,
perguntou-lhe se ela não temia a proximidade dos alemães, majoritariamente
protestantes, e ansiosos por dar nos franceses o troco por tantas guerras e
destruições que os franceses havia feito, antes, em territórios alemães, ao que
ela respondeu;
-
Eu só temo os maus católicos
Se
os católicos pensassem mais nisso, e, ao invés de colocar a culpa nos outros
pelos recuos da igreja, começassem a reparar mais seus próprios erros, eles,
com certeza, “virariam o jogo”, mas não é nada fácil chegar sinceramente a esse
discernimento.
De outra feita uma irmã adoentada, pedia,
durante suas crises, que Deus lhe mandasse mais dor ainda, para ela sofrê-la
pela conversão dos pecadores. Bernadette, comentando sobre isso, disse: “Como
ela é corajosa, eu me contento com aquelas [dores] que Deus manda”. Não sei se alguma
parte da Suma Teológica de Santo
Tomás de Aquino alcança essa profundidade.
Certa
vez uma irmã pegou um morcego que caíra de uma árvore, e outra exclamou
horrorizada:
-
Como é que você tem coragem de pegar um animal que é a imagem do diabo?
Ela
ficou séria e rebateu:
-
Saiba, irmã, nenhum animal é a imagem do diabo; só a ofensa a Deus pode ter
essa imagem.
Por
falar em doenças, estas nunca a abandonaram, e tornaram a sua vida uma luta
pela sobrevivência constante. Por três vezes ela recebeu a extrema-unção, hoje
unção dos enfermos, que, naquela época, só era dada a quem estava muito mal. Certa
vez, doente de cama e cercada por várias noviças, uma lhe perguntou se não sentira
medo nas vezes em que recebera extrema-unção.
-
Medo de quê? perguntou ela.
-
Eu teria medo de morrer, se visse meu último momento se aproximando.
Ela
respondeu
-
Nunca sabemos quando é esse momento. E, quando chega, Deus nos dá força para
enfrentá-lo.
Outra
coisa que chamava a atenção, era a sua forma de fazer o sinal da cruz, que,
segundo seus contemporâneos, acontecia de um jeito especial, com uma solenidade
e uma delicadeza ímpar, e ninguém conseguia imitar. De fato, durante as
aparições ela fora vista fazendo, repetidas vezes, o sinal da cruz, como se a
Virgem a estivesse ensinando, mais tarde ela dirá que fazer bem o sinal da cruz
é muito importante, algo que os atuais católicos precisam tratar com mais
seriedade
Embora
muito discreta e sempre evitando as luzes da fama, Bernadette acabou sendo
arrastada, de boa fé, para o centro de uma disputa muito mesquinha, na qual ela
não tinha o menor interesse. Um escritor católico famoso na França, Henri
Lasserre, resolveu escrever um livro minucioso sobre as aparições, baseado
principalmente em documentos oficiais, chamado Nossa Senhora de Lourdes, cuja primeira edição saiu em 1869. Ora,
em pouco tempo o livro ficou famoso, conheceu mais de 200 edições e vendeu mais
de um milhão de exemplares; tornando-se o grande best-seller religioso do
século XIX.
Deslumbrado
com o sucesso e o dinheiro, seu autor tomou-se de de um objetivo tresloucado:
tornar o seu livro não só a versão oficial, como também a versão exclusiva das
aparições, custasse o que fosse. Para isso ele pegou um livro concorrente, Anais de Nossa Senhora de Lourdes,
escrito pelos padres Dubois e Sempé, o da gargalhada, e, com a autorização do
bispo, o leu para Bernadette. Ora, como este livro fora escrito predominantemente
com base em testemunhos de moradores de Lourdes e peregrinos, ele veio a lume
marcado tanto pela profundidade afetiva das observações como por distorções,
comuns a quem colore a realidade a partir das emoções do coletivo. Após a
leitura Bernadette fez várias correções, que Lasserre pôs por escrito, para
acrescentar ao seu livro, com o objetivo, ainda não explícito de “desmascarar”,
a obra dos padres. O excesso de zelo ou de subserviência da Madre Superiora
acabou por levar Bernadette a autorizar um texto, que não só desmentia algumas
coisas escritas pelos padres, como dava a entender que ela desautorizava a
versão deles.
Foi
um escândalo. O padre Sempé foi parar em Nevers, ante uma Bernadette
esparramada em lágrimas. Foi feito um pedido para que Lasserre tirasse as
observações de Bernadette do livro, o que ele recusou-se, e por causa disso foi
afastado definitivamente de Bernadette e do seu círculo mais próximo, e ainda
teve o dissabor de ver dois de seus livros, sobre assuntos religiosos,
colocados na lista dos livros proibidos pela igreja: o Index. Quanto a Lasserre,
ele continuou católico e superamigo de Lourdes. Escreveu a biografia do padre Peyramale,
contribuiu muito com a construção e divulgação do santuário, e ainda escreveu
outros livros sobre Bernadette. Ele, aparentemente, era uma personalidade de
transição, ainda católico no sentido tradicional, mas capitalista em outros, um
pouco contagiado pelo novo espírito que começava a mudar a Europa
pre-industrial, para o melhor e o pior. Onde ele caiu, Bernadette se manteve de
pé, graças à sua fé, ao seu incrível senso de realidade, que a levou, cedo, a
descobrir que a verdadeira importância das coisas deste mundo está na sua transitoriedade.
http://www.idoj.in/articles/2013/4/1/images/IndianDermatolOnlineJ_2013_4_1_43_105473_u1.jpg
http://www.idoj.in/
Quem
pensa que vida de santo são só milagres, visões, sucesso, uma vida pop, como está
se tornando comum, não sabe de nada. A essência da santidade está na cruz, para
onde Bernadette olhava, sempre que as dores pareciam consumi-la acima de suas
forças. E para que ninguém imagine que a sua santificação saiu “barata”, a
foto, acima, mostra como teria ficado a sua perna depois, depois de ter
contraído tuberculose nos ossos. Imagine-se o quão doloroso não seria o
tratamento de uma doença dessas no final dos anos 1870, sem penicilina,
anestesia precária, etc.?
http://fr.lourdes-france.org/sites/default/files/lourdes_bernadette_soubrious_chasse_nevers.jpg
http://fr.lourdes-france.org/
Bernadette
morreu em 16 de abril de 1879, no convento que professou, em Nevers, de onde
nunca saiu. Seu cadáver exumado três vezes, 1909, 1919, 1925, apresentava um
estado de conservação admirável, e até hoje não satisfatoriamente explicado.
Mas, ATENÇÃO! O rosto acima não é o do cadáver de Bernadette, mas antes o de uma
máscara de cera, que foi colocada sobre o seu rosto e suas mãos. A pele do cadáver já empreteceu e murchou sobre os ossos, mais ou menos como
as múmias egípcias. Não é algo agradável de ver, nem é essa a mensagem que nos
passa o cristianismo. Antes, este corpo foi feito para a putrefação mesmo, não
tem porque ficar incorrupto, importa-nos antes assenhorarmo-nos do corpo
glorioso, que teremos após a ressurreição final. O atual, que se vá...
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