CÂNON
BÍBLICO III
Prof
Eduardo Simões
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Durante o seu discurso na Última Ceia
Jesus disse: “o Paráclito... que o Pai enviará em meu nome, vos ensinará tudo e vos recordará tudo o que eu
vos disse” (Jo 14,26) assim como: “quando vier o Espírito da Verdade, ele vos
guiará na verdade plena” (Jo 16,13) – sem falar que João também lembra que nem
tudo que Jesus disse ou fez ficou registrado por escrito (20,30) – deixando bem
claro que ainda havia coisas novas a serem ensinadas, que a presença histórica
de Cristo não esgotava todos os detalhes da revelação de Deus na história dos
homens. Para evitar que o diabo, “mentiroso e pai da mentira” (Jo 8,44), se
intrometesse entre Deus e o fiel isolado, deturpando tudo, Jesus prescreveu a
mediação necessária da Igreja Católica, a única no Ocidente a manter a sucessão
apostólica, dizendo: “quem vos ouve a mim ouve, e quem vos despreza a mim
despreza” (Lc 10,16).
O Desafio Protestante
Em 1517, por conta de um contexto
complexo de mudanças, incompreensões mútuas e interesses diversos, tem início a
chamada Reforma Protestante, ou simplesmente Reforma.
O objetivo original de Lutero era, ao
que parece, provocar uma mudança postiva dentro da Igreja, embora o seu
voluntarismo, típico dos intelectuais de sua época, não tenha prestado muita
atenção aos inúmeros e difusos interesses, nada espirituais, que logo envolveram
as suas iniciativas. A Cúria romana, por sua vez, “deitada em berço
esplêndido”, foi incapaz de perceber, no início, a gravidade e a extensão do
movimento, não tomando, talvez, as medidas mais adequadas. Um pouco mais de
diálogo e convivência tolerante teria mudado o rumo da história, sem falar de
medidas preventivas, tomadas muito antes, para evitar que as coisas chegassem
àquele ponto?
Seja como for, em pouco tempo o
movimento já saíra de controle, e já não se tratava mais de reformar a Igreja,
mas de criar outra igreja e justificar a divisão definitiva do cristianismo
ocidental. Agora, qualquer coisa que pudesse destacar as diferenças entre as
igrejas, e evitar confusões, era bem vinda. Sem querer dizer que esse foi o
motor principal de suas ações, o certo e que os protestantes optaram por seguir
estritamente o cânon judeu, recusando os chamados livros deuterocanônicos.
A verdade é que católicos e
protestantes, nesse assunto, lutavam como que nas sombras, pois a destruição
que os romanos fizeram na Palestina, durante as evoltas de 66-77 e 133-135 foi
de tal monta que quase nada sobrou da antiga cultura hebraica – para se ter uma
ideia, até pouco tempo atrás, os documentos mais antigos do Primeiro Testamento,
disponíveis, haviam sido encontrados no Cairo, Egito, por volta de 1900,
datados do séculos IX e X, quase mil anos após a destruição de Jerusalém. Tal
atitude dos romanos só encontra paralelo na destruição de Cartago.
Lutero e os católicos de seu tempo, não
tinham sequer essa decoberta com que agarrar, para dar base aos seus argumentos
quanto ao cânon bíblico. O desconhecimento objetivo da realidade palestina no
tempo de Jesus era completo. Nesse transe, os protestantes agiram movidos por
uma lógica puramente humana: quem pode entender mais sobre o cânon do Primeiro
Testamento, que aqueles que os escreveram e divulgaram: os judeus? E seguiram
sem restrições o cânon menor dos judeus, excluindo os deuterocanônicos, no que
foram seguidos pelos atuais evangélicos.
Para reforçar ainda mais a defesa de
suas teses, e para mais se distanciar da Igreja de Roma, Lutero tentou,
inclusive, avançar em alguns livros do Segundo Testamento, tentando excluir da
Bíblia protestante a Epistola de Tiago, Hebreus, Judas e o Apocalipse, sendo
demovido desse intento por outras lideranças protestantes. Os judeus não
estavam mais tão sozinhos em seu intento de pregar a superioridade de seu cânon
bíblico sobre o dos cristãos, pois uma boa parcela destes agora assumia a sua
tese.
A Igreja Católica reagiu no Concílio de
Trento, em 1546, reafirmando solenemente a canonicidade dos deuterocanônicos –
não é verdade, porém, o que alguns dizem, de que a Igreja Católica só afirmou a
canonicidade dos deuterocanônicos em Trento; o que a Igreja fez foi reforçar,
afirmar com solenidade, aquilo que a tradição católica declarava desde o tempo
dos apóstolos: que os livros deuterocanônicos eram inspirados, e que deviam
fazer parte da Bíblia, com igual valor que os outros. Mas o “mal” já estava feito,
e até hoje é notável como os escritores católicos relutam em citar passagens
desses livros.
Em 1720, no seu intento de enquadrar a
Igreja Ortodoxa na Rússia, o tzar Pedro o Grande, com a ajuda de um bispo
nomeado por ele, Theofane Prokopovich, começou por tornar a igreja russa
independente da grega, não mais dirigida por um patriarca, como o são as
igrejas ortodoxas, mas por um colegiado, o Santo-Sínodo, seguindo o modelo
protestante, completamente submisso ao estado. A Igreja russa se torna uma mera
repartição pública, e de quebra assume, em um sínodo interno, a tese
protestante da exclusão dos deuterocanônicos, transformada em um dogma.
Nessa luta, atacada duramente por
filósofos iluministas franceses, e outros ideólogos burgueses, contando apenas
com o apoio da massacrada Igreja Ortodoxa Grega, com seus patriarcados
instalados em países dominados por povos muçulmanos, assistindo à expansão
econômica e cultural dos países protestantes ao redor do mundo, quando do
Imperialismo nos séculos XIX e XX, manteve-se a Igreja Católica fiel à sua
crença original na canonicidade dos deuterocanônicos, até que uma reviravolta
espetacular aconteceu, bem na metade do século passado.
A Reviravolta de Qumran
Em 1947, um pobre pastor de ovelhas
muçulmano, tangia seus rebanhos nas encostas próximas ao Mar Morto, quando deu,
por acaso, com uma gruta, onde encontrou objetos estranhos: várias bilhas
enormes de argila, contendo escritos muito antigos. Esses objetos, levados a
especialistas, revelaram ser uma descoberta espetacular: eram extos de livros
sagrados judaicos quase completos, além de regras de convivência de uma
comunidade religiosa judia, todos datados do tempo de Jesus Cristos!
Aquilo era uma REVOLUÇÃO, em termos
bíblicos, pois antecipavam em mil anos os textos mais antigos que se conhecia
sobre a Bíblia hebraica – o que até então gerara muita especulação, e acusações
de que os textos bíblicos que nós líamos eram na verdade totalmente, ou muito,
diferentes daqueles que os antigos judeus liam, que muita coisa havia sido
inserida neles para justificar a fé de cristãos e judeus. O que se achou neles,
porém, foi incrível em vários sentidos, pois confirmaram que os textos das
Bíblias atuais são idênticos aos que eram lidos nos tempos de Jesus.
A maior surpresa, porém, veio quando se
achou, misturados entre os escritos considerados sagrados pelos judeus, trechos
do Primeiro Testamento na tradução dos Setenta, e, inclusive, trechos de livros
deuterocanõnicos como Tobias e Eclesiástico. Ora, aqueles escritos faziam parte
da biblioteca de uma comunidade de piedosos judeus, os essênios, que eram tão
rigoristas, que julgavam os sacerdotes de Jerusalém excessivamente mundanos e
pouco fieis às legítimas tradições judaicas, o que imediatamente levantou a
questão: como um grupo religioso tão fechado e radical teria, no meio de seus
escritos, trechos inteiros de uma Bíblia que, supostamente, nunca fora
considerada canônica pelos antigos judeus? Alguns, inclusive, estavam escritos
em grego!
A única explicação possível á a de que
a versão bíblica dos Setenta, com os livros deuterocanônicos, que os judeus
atuais rejeitam e os protestantes acusam de apóscrifos, eram sim considerados canônicos
pelos judeus no tempo de Cristo. O único testemunho concreto que temos sobre os
livros sagrados dos judeus no tempo de Jesus nos apontam sem, sombra de dúvida,
que no tempo de Jesus, os livros deuterocanônicos, que a totalidade da versão
dos Setenta, era sim usada e aceita pelos judeus como a Palavra de Deus.
Que os judeus, pois, expliquem a si
mesmos, de como permitiram que uma tradição tão espúria, aureolada por tantas historinhas
banais, como a do Concílio de Jamnia, e reprimendas terríveis, como a do rabi
Akiba, se imiscuíssem assim numa de suas mais legítimas e importantes
tradições, e que, inclusive, eles não fizeram algo tão grave com a Palavra de
Deus, só para confrontar os cristãos. Protestantes e russos agora sabem de onde
vem o sopro mais forte do Espírito Santo.
Pondo toda a sua fé em Cristo, e não em
raciocínios humanos, por mais lógicos que parecessem, a igreja Católica
consegue uma vitória espiritual insofismável, reforçando a sua credibilidade
duas vezes milenar, e o seu papel como luz do mundo e de mais abalizada guardiã
das tradições cristãs e hebreias.
Assim seja!
http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/1/12/Lxx_Minorprophets.gif
Wikipedia
Pedaços
de um dos rolos da biblioteca dos essênios, em Qumran, que continha a parte da Bíblia
hebraica referente aos 12 profetas menores, escrito em grego. A seta aponta
para o nome de Deus, escrito em caracteres paleo-hebreus,
Eis uma relação dos livros cânon
bíblico católico, com suas abreviaturas e uma letra, P ou D, indicando se tratar
de protocanônico ou deuterocanônico:
Pentateuco:
Gênesis,
Gn, P; Êxodo, Ex, P; Levítico, Lv, P; Números, Nm, P; Deuteronômio,
Dt, P. Cinco livros.
Livros Históricos:
Josué,
Js, P; Juízes, Jz, P; Rute, Rt, P; 1 Samuel, 1 Sm, P; 2 Samuel,
2 Sm, P; 1 Reis, 1 Rs, P; 1 Crônicas, 1 Cr, P; 2 Crônicas, 2 Cr, P; Esdras, Es, P; Neemias, Ne, P; Tobias,
Tb, D; Judite, Jd, D; Ester, Est, P; 1 Macabeus, 1 Mc, D; 2
Macabeus, 2 Mc, D. Dezesseis livros.
Livros Sapienciais:
Jó,
Jó ou Job, P; Salmos, Sl, P; Provérbios, Pr, P; Eclesiates, Ecle, P; Cântico
dos Cânticos, Ct, P; Sabedoria,
Sb, D; Eclesiástico, Eclo, D. Sete
livros.
Livros Proféticos
Isaías,
Is, P; Jeremias, Jr, P; Lamentações, Lm, P; Baruc, Br, D;Ezequiel, Ez, P; Daniel,
Dn, P; Oseias, Os, P; Joel, Jl, P; Amós, Am, P; Abdias, Ab,
P; Jonas, Jn, P; Miqueias, Mi, P; Naum, Na, P; Habacuc,
Hab, P; Sofonias, Sf, P; Ageu, Ag, P; Zacarias, Zc, P; Malaquias,
Ml, P. Dezoito livros.
Ao todo 46 livros do Primeiro
Testamento.
Evangelhos;
Mateus,
Mt; Marcos, Mc; Lucas, Lc; João, Jo.
Quatro livros.
Histórico:
Atos
dos Apóstolos, Ap. Um livro
Epístolas (Cartas) de São Paulo:
Romanos,
Rm; Primeira aos Coríntios, 1 Cor; Segunda aos Coríntios, 2 Cor; Gálatas, Gl; Efésios, Ef; Filipenses,
Fl; Colossenses, Cl; Primeira aos Tessalonisenses, 1 Ts; Segunda aos Tessalonisenses, 2 Ts; Primeira a Timóteo, 1 Tm; Segunda a
Timóteo, 2 Tm; Tito, Tt; Filemon, Fm, Hebreus, Hb (hoje há uma quase certeza de que hebreus não foi
escrita por Paulo, nem sob suas ordens, mas ela, por tradição e,
principalmente, por comodidade, afinal não se sabe exatamente quem seria seu
autor, continua figurando no rol das epístolas paulinas). Quatorze livros.
Epístolas Católicas (Têm esse nome
porque não são dirigidas a nenhuma pessoa ou comubnidade em especial, como
acontece com as cartas de Paulo, e nesse caso são consideradas como que
dirgidas a toda Igreja):
Tiago,
Tg; Primeira de Pedro, 1 Pd; Segunda de Pedro, 2 Pd; Primeira de João, 1 Jo; Segunda de João, 2 Jo; Terceira de João, 3 Jo; Judas, Jd. Sete livros.
Apocalipse,
Ap. Um livro.
Ao todo 27 livros.
(trechos
bíblicos transcritos da Bíblia de Jerusalém; Paulus)
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