ANTIGO X
PRIMEIRO TESTAMENTO
Prof.
Eduardo Simões
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Ave!
A vitória esmagadora do cristianismo
sobre o judaísmo, no final do Império Romano, deu ensejo a que os cristãos,
arrogando o fato de a Igreja ser o “verdadeiro Israel”, o “Israel espiritual”,
em oposição e situação de superioridade em relação ao “Israel na carne”,
representado pelos judeus, tornando-se assim o único Israel crível e digno de
seguimento, o que justificaria perseguições futuras, além de outros
constrangimentos, entre os quais se incluiu o de ter a sua tradição diminuída,
no livro que eles ajudaram a escrever: a Bíblia, onde a sua parte foi nomeada como
Antigo Testamento.
O termo “Antigo”, longe de ter uma
conotação honrosa, de algo provecto, mais experiente, etc., teve, nesse caso, a
conotação pejorativa de coisa “velha”, ultrapassada. E assim se consagrou o seu
uso na cultura Ocidental.
Com as mudanças empreendidas pelo Santo
Padre João XXIII e o concílio Vaticano II, quando foram afastadas todas as
expressões ofensivas aos judeus que, injustificadamente, ainda permaneciam nos
textos litúrgicos, abrindo-se uma larga para um frutuoso diálogo entre as duas
religiões, cujas vantagens infelizmente não foram percebidas por muitos, que
preferiram alimentar antigos receios e inseguranças pessoais, julgando que o diálogo
levaria fatalmene a abjuração do católico de sua religião.
A esse respeito é bom lembrar que
ninguém está obrigado a aproximar-se quem quer que seja, professe a mesma
religião ou não. Essa nova postura visava mais o diálogo entre autoridades e
estudiosos das várias religiões, assim como tranquilizar os pudores de quem
pudesse, por ventura, se sentir contaminado por uma simples aproximação ou
cumprimento com alguém de outra religião, principalmente da parte dos
católicos, o que seria um absurdo.
Sobre isso, convém lembrar duas
passagens: “Nisto consiste a perfeição do amor em nós: que tenhamos plena
confiança... não há temor no amor; ao contrário: o perfeito amor lança fora o
temor... o que teme não chegou à perfeição do amor” (1 Jo 4,17-18) e toda a
belíssima parábola do Bom Samaritano (Lc 10, 30-37) – já imaginaram se o samaritano, por receio de
se contaminar, não tivesse ajudado ao judeu ferido, ou se este recusasse a
ajuda daquele, dizendo-lhe: “obrigado, mas eu prefiro esperar até que passe um
judeu que queira me ajudar”? Jamais teríamos uma das mais belas passagens da
literatura mundial.
Por que razão, ainda, essas pessoas
pensam apenas na conquista do católico para a outra religião e nunca
vice-versa? Será que o Espírito Santo só se manifesta nas outras religiões,
supondo que toda conversão é sincera? Não será essa atitude uma recusa para
cumprir a missão de Mt 28,19? “O risco que corre o pau corre o machado”, diz um
ditado da minha terra; afastemos, pois, falsos temores e tenhamos fé naquele
que nos chamou à fé, sem arrogância ou riscos desnecessários.
Não há, pois, razão, para evitarmos
contato com pessoas de outras religiões, em situações do cotidiano, nem
precisarmos ficar correndo atrás delas ou frequentarmos os seus cultos
religiosos, só para mostrar aos outros o quanto somos ecumênicos. Isso seria
uma idolatria de si mesmo!
Na linha do diálogo institucional e
acadêmico, surgiram estudiosos propondo uma mudança no título dos dois
conjuntos de livros sagrados, que compõem a Bíblia, trocando os tradicionais
Antigo e Novo Testamentos para Primeiro
e Segundo Testamentos. Algumas
vozes, inclusive muito respeitáveis, logo se levantaram para acusar os
defensores dessa proposta de relativizar a importância ou a superioridade do
cristianismo em relação ao judaísmo, e levar as pessoas a uma indiferença religiosa,
como se tanto fizesse ser cristão ou judeu. A esse respeito nós poderíamos
dizer:
a) A mensagem cristã, e mesmo a
judaica, se considerarmos o decálogo a essência do mosaísmo, é muito mais ampla
que a defesa intransigente de instituições religiosas, pelos menos foi essa a
mensagem que Jesus deixou frente a um defensor intransigente do judaísmo
burocrático de seu tempo (Mt 22, 34-40).
b) A melhor defesa de uma instituição
cristã é a vivência sincera e profética do modelo que nos foi deixado por Jesus
Cristo, conduzidos pelo Espírito Santo. Deus fará o resto, nos dirigindo para a
sua Igreja, a Católica, é claro, seja nesse mundo seja no outro.
c) O Fato de se dizer Primeiro e
Segundo, ao invés de Antigo e Novo Testamentos, não muda a essência da nossa percepção
qualitativa quanto ao aprimoramento histórico da Revelação, contido nos livros
da Bíblia, uma vez que, juridicamente, o último testamento vale mais que o
primeiro, para se dirimir uma contenda na justiça, mas certamente que essa terminologia
é mais respeitosa. Isso não é bom?
d) Não se trata, com essa mudança
terminológica, de alterar qualquer coisa nos dogmas ou ensinamentos centrais da
Igreja Católica, sequer nos secundários. Não se pretende com isso negar a
canonicidade, por exemplo, dos livros deuterocanônicos, como fazem os judeus,
por exemplo, mas nomear os conjuntos de livros sagrados dos cristãos de outra
maneira, de sorte que não fira a susceptibilidade de pessoas que compartilham,
parcialmente, conosco, esse maravilhoso patrimônio de fé e da história humana.
Quem sou eu para contestar vozes tão
respeitáveis, e mais ainda contestar o capítulo 13 de 1 Coríntios, e muito mais
ainda as palavras de Jesus, que ordenaram cuidarmos do próximo como de nós
mesmos (Mt 7,12). Por acaso os católicos gostam quando os chamam de “papistas”,
como se colocassemos o Papa acima de Jesus, ou quando deturpam a nossa doutrina?
Decerto que não, assim como não é correto chamar os islâmicos de maometanos,
como se o seu seguimento principal fosse à pessoa de Maomé. Se eu ignorasse
isso estaria me comportando como criança (1 Cor 13,11).
Isso posto, deixo claro, aqui, que nos
meus próximos artigos usarei sempre os termos Primeiro Testamento e Segundo
Testamento, me referindo respectivamente ao Antigo e ao Novo Testamento, como
parte de minha compreensão pessoal sobre esse assunto, sem querer impô-lo a
ninguém, sugerir uma prática sequer fazer escola ou iniciar uma moda.
Que cada um siga àquilo que o Espírito
lhe move, deixando de lado receios pueris, mas sem fazer violência à sua
natureza, como que para ficar mais concorde com a última “tendência”, pois até
a nossa ignorância e a nossa fraqueza precisam ser respeitadas também, até que
Deus, com o nosso consentimento, delas nos liberte, por meio de sua graça.
Amém!
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