Crônicas

sexta-feira, 20 de março de 2015

ANTIGO X PRIMEIRO TESTAMENTO

Prof. Eduardo Simões


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         Ave!
         A vitória esmagadora do cristianismo sobre o judaísmo, no final do Império Romano, deu ensejo a que os cristãos, arrogando o fato de a Igreja ser o “verdadeiro Israel”, o “Israel espiritual”, em oposição e situação de superioridade em relação ao “Israel na carne”, representado pelos judeus, tornando-se assim o único Israel crível e digno de seguimento, o que justificaria perseguições futuras, além de outros constrangimentos, entre os quais se incluiu o de ter a sua tradição diminuída, no livro que eles ajudaram a escrever: a Bíblia, onde a sua parte foi nomeada como Antigo Testamento.
         O termo “Antigo”, longe de ter uma conotação honrosa, de algo provecto, mais experiente, etc., teve, nesse caso, a conotação pejorativa de coisa “velha”, ultrapassada. E assim se consagrou o seu uso na cultura Ocidental.
         Com as mudanças empreendidas pelo Santo Padre João XXIII e o concílio Vaticano II, quando foram afastadas todas as expressões ofensivas aos judeus que, injustificadamente, ainda permaneciam nos textos litúrgicos, abrindo-se uma larga para um frutuoso diálogo entre as duas religiões, cujas vantagens infelizmente não foram percebidas por muitos, que preferiram alimentar antigos receios e inseguranças pessoais, julgando que o diálogo levaria fatalmene a abjuração do católico de sua religião.
         A esse respeito é bom lembrar que ninguém está obrigado a aproximar-se quem quer que seja, professe a mesma religião ou não. Essa nova postura visava mais o diálogo entre autoridades e estudiosos das várias religiões, assim como tranquilizar os pudores de quem pudesse, por ventura, se sentir contaminado por uma simples aproximação ou cumprimento com alguém de outra religião, principalmente da parte dos católicos, o que seria um absurdo.
         Sobre isso, convém lembrar duas passagens: “Nisto consiste a perfeição do amor em nós: que tenhamos plena confiança... não há temor no amor; ao contrário: o perfeito amor lança fora o temor... o que teme não chegou à perfeição do amor” (1 Jo 4,17-18) e toda a belíssima parábola do Bom Samaritano (Lc 10, 30-37) –  já imaginaram se o samaritano, por receio de se contaminar, não tivesse ajudado ao judeu ferido, ou se este recusasse a ajuda daquele, dizendo-lhe: “obrigado, mas eu prefiro esperar até que passe um judeu que queira me ajudar”? Jamais teríamos uma das mais belas passagens da literatura mundial.
         Por que razão, ainda, essas pessoas pensam apenas na conquista do católico para a outra religião e nunca vice-versa? Será que o Espírito Santo só se manifesta nas outras religiões, supondo que toda conversão é sincera? Não será essa atitude uma recusa para cumprir a missão de Mt 28,19? “O risco que corre o pau corre o machado”, diz um ditado da minha terra; afastemos, pois, falsos temores e tenhamos fé naquele que nos chamou à fé, sem arrogância ou riscos desnecessários.
         Não há, pois, razão, para evitarmos contato com pessoas de outras religiões, em situações do cotidiano, nem precisarmos ficar correndo atrás delas ou frequentarmos os seus cultos religiosos, só para mostrar aos outros o quanto somos ecumênicos. Isso seria uma idolatria de si mesmo!
         Na linha do diálogo institucional e acadêmico, surgiram estudiosos propondo uma mudança no título dos dois conjuntos de livros sagrados, que compõem a Bíblia, trocando os tradicionais Antigo e Novo Testamentos para Primeiro e Segundo Testamentos. Algumas vozes, inclusive muito respeitáveis, logo se levantaram para acusar os defensores dessa proposta de relativizar a importância ou a superioridade do cristianismo em relação ao judaísmo, e levar as pessoas a uma indiferença religiosa, como se tanto fizesse ser cristão ou judeu. A esse respeito nós poderíamos dizer:
         a) A mensagem cristã, e mesmo a judaica, se considerarmos o decálogo a essência do mosaísmo, é muito mais ampla que a defesa intransigente de instituições religiosas, pelos menos foi essa a mensagem que Jesus deixou frente a um defensor intransigente do judaísmo burocrático de seu tempo (Mt 22, 34-40).
         b) A melhor defesa de uma instituição cristã é a vivência sincera e profética do modelo que nos foi deixado por Jesus Cristo, conduzidos pelo Espírito Santo. Deus fará o resto, nos dirigindo para a sua Igreja, a Católica, é claro, seja nesse mundo seja no outro.
         c) O Fato de se dizer Primeiro e Segundo, ao invés de Antigo e Novo Testamentos, não muda a essência da nossa percepção qualitativa quanto ao aprimoramento histórico da Revelação, contido nos livros da Bíblia, uma vez que, juridicamente, o último testamento vale mais que o primeiro, para se dirimir uma contenda na justiça, mas certamente que essa terminologia é mais respeitosa. Isso não é bom?
         d) Não se trata, com essa mudança terminológica, de alterar qualquer coisa nos dogmas ou ensinamentos centrais da Igreja Católica, sequer nos secundários. Não se pretende com isso negar a canonicidade, por exemplo, dos livros deuterocanônicos, como fazem os judeus, por exemplo, mas nomear os conjuntos de livros sagrados dos cristãos de outra maneira, de sorte que não fira a susceptibilidade de pessoas que compartilham, parcialmente, conosco, esse maravilhoso patrimônio de fé e da história humana.
         Quem sou eu para contestar vozes tão respeitáveis, e mais ainda contestar o capítulo 13 de 1 Coríntios, e muito mais ainda as palavras de Jesus, que ordenaram cuidarmos do próximo como de nós mesmos (Mt 7,12). Por acaso os católicos gostam quando os chamam de “papistas”, como se colocassemos o Papa acima de Jesus, ou quando deturpam a nossa doutrina? Decerto que não, assim como não é correto chamar os islâmicos de maometanos, como se o seu seguimento principal fosse à pessoa de Maomé. Se eu ignorasse isso estaria me comportando como criança (1 Cor 13,11).
         Isso posto, deixo claro, aqui, que nos meus próximos artigos usarei sempre os termos Primeiro Testamento e Segundo Testamento, me referindo respectivamente ao Antigo e ao Novo Testamento, como parte de minha compreensão pessoal sobre esse assunto, sem querer impô-lo a ninguém, sugerir uma prática sequer fazer escola ou iniciar uma moda.
         Que cada um siga àquilo que o Espírito lhe move, deixando de lado receios pueris, mas sem fazer violência à sua natureza, como que para ficar mais concorde com a última “tendência”, pois até a nossa ignorância e a nossa fraqueza precisam ser respeitadas também, até que Deus, com o nosso consentimento, delas nos liberte, por meio de sua graça.

         Amém!

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