A FALTA QUE O LEÃO FAZ - I
Prof Eduardo Simões
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http://kids.sandiegozoo.org/animals/mammals/african-lion
Dizem que um dos
sons mais impressionantes da natureza é o urro contínuo, embora irregular, de
um leão adulto, saudável, anunciando a sua presença em um território, em geral
emitido ao final da tarde, quando diversos predadores saem para a caçada mais
proveitosa da noite. É um som gutural, potente, realizado com a boca
semiaberta, como se o animal estivesse limpando a garganta, a anunciar que
qualquer aproximação custará caro ao invasor, e que pode chegar até a 8
quilômetros de distância. Esse urro é mencionado num dos conhecidos contos de
escritor americano Ernest Hemingway, “A curta de feliz vida de Francis
Macomber”, um conto com o sentido tão claro quanto trágico: o homem, assim como
o leão, Francis Macomber, não deve sobreviver ao seu apogeu, o que é certo,
exceto para o suicida, que foge do seu apogeu.
Nesses
últimos tempos vimos nascer, no Ocidente, uma tendência a revisar os papéis sociais
e psicológicos que, tradicionalmente, identificaram a homens e mulheres, para
nos adaptar a uma proposta de sociedade mais “democrática”, “inclusiva”,
“igualitária”, derivada mais de uma mudança de paradigma que da descoberta de
fatos insofismáveis, que justificassem essa mudança. Tudo muito superficial,
embora politicamente correto.
As
pessoas começaram a pensar nos papéis sexuais, ou de gênero, de forma
diferente, e na raiz dessa mudança estava a idéia gestada tanto pelo behaviorismo
burguês-capitalista como pelo socialismo intelectual-marxista, de que não
existiria uma “natureza”, uma “essência”, dirigindo os sexos a esses papeis,
mas antes eram resultantes de modelos sociais historicamente determinados e
aprendidos – nessa linha primaram os marxistas europeus, como a pensadora
Simone de Beauvoir, com seu célebre axioma: “ninguém nasce mulher, antes, torna-se
mulher”, o que fere frontalmente o axioma bíblico da natureza complementar dos
sexos (Gn 2,18), assim como o entendimento de uma tradição várias vezes milenar.
O feminismo moderno, após superada a questão dos
direitos políticos, levantada no início do século XX, avançou no viés da
valorização pessoal e definição sócio-psicológica da mulher, certamente
necessária na época, embora tenha cometido o equívoco de, ao des-historizar e
des-politizar o debate, condenar na sua quase totalidade o padrão de relação
homem-mulher das sociedades tradicionais, demonstrando um desconhecimento da
história original e um anacronismo, que lhes enfraqueceu a percepção sobre a
importância das mudanças introduzidas pela sociedade capitalista-industrial
nessa evolução.
A mulher começa a perder a sua
importância social primitiva, a partir do momento em que as suas funções
tradicionais como dona-de-casa, a saber, cozinhar, costurar, educar as
crianças, etc., passaram a ser realizadas com vantagem pelos novos equipamentos
públicos de massas: as fábricas, os grandes magazines, creches e pré-escolas,
etc., desvalorizando as “mães-de-família” tradicionais, muito valorizadas no
passado, que, em algumas situações limites, principalmente nas famílias mais importantes,
chegavam a assumir o papel de matriarca, de fato. A mulher perde a sua
relevância social no início do século XX, pelo fato de não poder, ainda, ser tratada
como produtora ou consumidora, até que a Primeira Guerra Mundial veio sanar
essa lacuna. A mulher, na Europa, vai para as fábricas, suprir a ausência dos
homens, transformados em bucha de canhão nos campos de batalha, na defesa de
uma concepção antiga de “honra”, usada para mascarar interesses
financeiro-coloniais nada honrados, como convém a um gênero que ainda se vê
“forte”.
Nas famílias mais ricas e de “classe
média”, a mulher já não é mais encarada como uma companheira útil ao projeto
original, tanto de homens como de mulheres,
de se perpetuar por meio da família, e a
mulher se torna cada vez mais um adereço, um bibelô, para enfeitar a mansão, do
guerreiro-empresário ou profissional liberal bem sucedido, e por isso mesmo
saturado de obrigações sociais, festas e recepções, como o rico gozador de
Lucas, e a esposa, ex-mãe-de-família, numa espécie de enfeite da casa e um atestado
da capacidade do esposo em realizar grandes “conquistas”, algo inerente a todo
bom “negócio”. É o tempo da “dondoca”, da “gata de sofá”, o apogeu das “divas”,
em geral grandes atrizes, que se ligam a magnatas ou homens famosos, enquanto dividem
sua vida entre as colunas sociais e as paginas policiais.
Da negação da natureza, porém,
partiu-se, em seguida para uma afirmação radical da natureza, embora num
sentido oposto ao que antes se fazia; dito de outra maneira: a redescoberta da
natureza a serviço da inversão de papéis. A mulher agora é quem detém a força e
o homem, quando muito, não passa de um auxiliar menor, como a mulher o era
durante a expansão da sociedade industrial, e até em um estorvo. Surge o
principio da mulher como “dona de seu corpo”, não só para negá-lo ao seu
companheiro como também aos seus próprios filhos; e mais uma vez a proclamação
superficial de um princípio humano se choca com ditames bíblicos e a lógica da
natureza. Nenhum animal mata propositalmente a sua cria, exceto por questão de
sobrevivência.
O mandato divino é anulado e a família
sacrificada no altar do individualismo burguês triunfante. A nova parelha
humana, constituída quando muito de homem, mulher e um filho, em um futuro
próximo talvez nem isso, mais adaptado ao figurino de uma sociedade de consumo
compulsivo, que exige uma mão-de-obra sempre disponível, um problema durante o
período gestacional ou a educação de muitos filhos. O binômio produtor-consumidor
tende a anular a natureza dual, complementar, da espécie humana, para moldá-la
aos critérios do mercado.
É claro que ninguém em são juízo quer
uma guerra, ou a prefere à paz, principalmente por causa dos inúmeros
sofrimentos que causam àqueles que lhe sobrevivem. A guerra, definitivamente,
começou a ficar fora de moda, justo ela que historicamente sempre esteve
associada a um ofício quase exclusivamente masculino, associada a conceitos
como honra e proteção à comunidade e à família, agora associada pela burguesia
às razões de estado, invariavelmente de ordem econômica – não partiam os
voluntários franceses, para defender o seu dístico revolucionário triplamente burguês, cantando que um “sangue
impuro”, os realistas e seus aliados, invadiam “nossos campos”, de onde o país tirava
a sua maior renda, para “degolar nossos filhos, nossas companheiras” (a Marselhesa). Os pequenos conflitos
castelãos do medievo deram lugar aos colossais banhos de sangue da burguesia,
as Guerras Mundiais, confirmando a tese de que o macho da espécie humana é um “caso
perdido”.
É
nesse momento que ocorre a destronação do leão, antigo símbolo de nobreza e
virilidade, apresentado, a partir de uma visão economicista, capitalista, como
um parasita ocioso, glutão e pouco produtivo, uma vez que passa a maior parte
do dia deitado, descansando. De vez em quando ele se mete em alguma briga com
outros leões, exatamente como fazem os malandros em nossas cidades, enquanto as
leoas “suam a camisa”, caçando. E, o que é pior, se uma presa é abatida, quando
ele está por perto, o “rei” imediatamente usa de sua força superior para afastar
as leoas e se empanturrar da melhor parte: “a parte do leão”, em prejuízo das
fêmeas e dos filhotes. Mais parecido impossível. A forma rude e brutal como ele
se apropria do bando, expulsando o antigo macho dominante e matando as suas
crias, para obrigar as leoas a copularem logo com ele, o tornaram ainda mais
odioso, tanto que se o achou digno de ser o símbolo do imposto de renda.
A leoa, por sua
vez, tem o seu papel de trabalhadora dedicada e disciplinada, realçado,
apresentada em alguns filmes e vídeos documentários como a verdadeira rainha
das selvas – ver A rainha leoa, da
National Geographic https://www.youtube.com/watch?v=Cf5sakdeiVg.
Algo análogo ao que acontece em nosso mercado de emprego ultimamente, onde as
empresas impõem cada vez mais a exclusividade do sexo feminino nas
contratações, entre outras justificativas por ser uma profissional mais
disciplinada (ou seria mais submissa?), além de outras qualidades inegáveis.
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