Crônicas

sábado, 18 de abril de 2015

A FALTA QUE O LEÃO FAZ - I

Prof Eduardo Simões

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http://kids.sandiegozoo.org/animals/mammals/african-lion
        
Dizem que um dos sons mais impressionantes da natureza é o urro contínuo, embora irregular, de um leão adulto, saudável, anunciando a sua presença em um território, em geral emitido ao final da tarde, quando diversos predadores saem para a caçada mais proveitosa da noite. É um som gutural, potente, realizado com a boca semiaberta, como se o animal estivesse limpando a garganta, a anunciar que qualquer aproximação custará caro ao invasor, e que pode chegar até a 8 quilômetros de distância. Esse urro é mencionado num dos conhecidos contos de escritor americano Ernest Hemingway, “A curta de feliz vida de Francis Macomber”, um conto com o sentido tão claro quanto trágico: o homem, assim como o leão, Francis Macomber, não deve sobreviver ao seu apogeu, o que é certo, exceto para o suicida, que foge do seu apogeu.
         Nesses últimos tempos vimos nascer, no Ocidente, uma tendência a revisar os papéis sociais e psicológicos que, tradicionalmente, identificaram a homens e mulheres, para nos adaptar a uma proposta de sociedade mais “democrática”, “inclusiva”, “igualitária”, derivada mais de uma mudança de paradigma que da descoberta de fatos insofismáveis, que justificassem essa mudança. Tudo muito superficial, embora politicamente correto.
         As pessoas começaram a pensar nos papéis sexuais, ou de gênero, de forma diferente, e na raiz dessa mudança estava a idéia gestada tanto pelo behaviorismo burguês-capitalista como pelo socialismo intelectual-marxista, de que não existiria uma “natureza”, uma “essência”, dirigindo os sexos a esses papeis, mas antes eram resultantes de modelos sociais historicamente determinados e aprendidos – nessa linha primaram os marxistas europeus, como a pensadora Simone de Beauvoir, com seu célebre axioma: “ninguém nasce mulher, antes, torna-se mulher”, o que fere frontalmente o axioma bíblico da natureza complementar dos sexos (Gn 2,18), assim como o entendimento de uma tradição várias vezes milenar.
          O feminismo moderno, após superada a questão dos direitos políticos, levantada no início do século XX, avançou no viés da valorização pessoal e definição sócio-psicológica da mulher, certamente necessária na época, embora tenha cometido o equívoco de, ao des-historizar e des-politizar o debate, condenar na sua quase totalidade o padrão de relação homem-mulher das sociedades tradicionais, demonstrando um desconhecimento da história original e um anacronismo, que lhes enfraqueceu a percepção sobre a importância das mudanças introduzidas pela sociedade capitalista-industrial nessa evolução.
         A mulher começa a perder a sua importância social primitiva, a partir do momento em que as suas funções tradicionais como dona-de-casa, a saber, cozinhar, costurar, educar as crianças, etc., passaram a ser realizadas com vantagem pelos novos equipamentos públicos de massas: as fábricas, os grandes magazines, creches e pré-escolas, etc., desvalorizando as “mães-de-família” tradicionais, muito valorizadas no passado, que, em algumas situações limites, principalmente nas famílias mais importantes, chegavam a assumir o papel de matriarca, de fato. A mulher perde a sua relevância social no início do século XX, pelo fato de não poder, ainda, ser tratada como produtora ou consumidora, até que a Primeira Guerra Mundial veio sanar essa lacuna. A mulher, na Europa, vai para as fábricas, suprir a ausência dos homens, transformados em bucha de canhão nos campos de batalha, na defesa de uma concepção antiga de “honra”, usada para mascarar interesses financeiro-coloniais nada honrados, como convém a um gênero que ainda se vê “forte”.
         Nas famílias mais ricas e de “classe média”, a mulher já não é mais encarada como uma companheira útil ao projeto original, tanto de homens como de mulheres,
 de se perpetuar por meio da família, e a mulher se torna cada vez mais um adereço, um bibelô, para enfeitar a mansão, do guerreiro-empresário ou profissional liberal bem sucedido, e por isso mesmo saturado de obrigações sociais, festas e recepções, como o rico gozador de Lucas, e a esposa, ex-mãe-de-família, numa espécie de enfeite da casa e um atestado da capacidade do esposo em realizar grandes “conquistas”, algo inerente a todo bom “negócio”. É o tempo da “dondoca”, da “gata de sofá”, o apogeu das “divas”, em geral grandes atrizes, que se ligam a magnatas ou homens famosos, enquanto dividem sua vida entre as colunas sociais e as paginas policiais.
         Da negação da natureza, porém, partiu-se, em seguida para uma afirmação radical da natureza, embora num sentido oposto ao que antes se fazia; dito de outra maneira: a redescoberta da natureza a serviço da inversão de papéis. A mulher agora é quem detém a força e o homem, quando muito, não passa de um auxiliar menor, como a mulher o era durante a expansão da sociedade industrial, e até em um estorvo. Surge o principio da mulher como “dona de seu corpo”, não só para negá-lo ao seu companheiro como também aos seus próprios filhos; e mais uma vez a proclamação superficial de um princípio humano se choca com ditames bíblicos e a lógica da natureza. Nenhum animal mata propositalmente a sua cria, exceto por questão de sobrevivência.
         O mandato divino é anulado e a família sacrificada no altar do individualismo burguês triunfante. A nova parelha humana, constituída quando muito de homem, mulher e um filho, em um futuro próximo talvez nem isso, mais adaptado ao figurino de uma sociedade de consumo compulsivo, que exige uma mão-de-obra sempre disponível, um problema durante o período gestacional ou a educação de muitos filhos. O binômio produtor-consumidor tende a anular a natureza dual, complementar, da espécie humana, para moldá-la aos critérios do mercado.
         É claro que ninguém em são juízo quer uma guerra, ou a prefere à paz, principalmente por causa dos inúmeros sofrimentos que causam àqueles que lhe sobrevivem. A guerra, definitivamente, começou a ficar fora de moda, justo ela que historicamente sempre esteve associada a um ofício quase exclusivamente masculino, associada a conceitos como honra e proteção à comunidade e à família, agora associada pela burguesia às razões de estado, invariavelmente de ordem econômica – não partiam os voluntários franceses, para defender o seu dístico revolucionário  triplamente burguês, cantando que um “sangue impuro”, os realistas e seus aliados, invadiam “nossos campos”, de onde o país tirava a sua maior renda, para “degolar nossos filhos, nossas companheiras” (a Marselhesa). Os pequenos conflitos castelãos do medievo deram lugar aos colossais banhos de sangue da burguesia, as Guerras Mundiais, confirmando a tese de que o macho da espécie humana é um “caso perdido”.
          É nesse momento que ocorre a destronação do leão, antigo símbolo de nobreza e virilidade, apresentado, a partir de uma visão economicista, capitalista, como um parasita ocioso, glutão e pouco produtivo, uma vez que passa a maior parte do dia deitado, descansando. De vez em quando ele se mete em alguma briga com outros leões, exatamente como fazem os malandros em nossas cidades, enquanto as leoas “suam a camisa”, caçando. E, o que é pior, se uma presa é abatida, quando ele está por perto, o “rei” imediatamente usa de sua força superior para afastar as leoas e se empanturrar da melhor parte: “a parte do leão”, em prejuízo das fêmeas e dos filhotes. Mais parecido impossível. A forma rude e brutal como ele se apropria do bando, expulsando o antigo macho dominante e matando as suas crias, para obrigar as leoas a copularem logo com ele, o tornaram ainda mais odioso, tanto que se o achou digno de ser o símbolo do imposto de renda.

A leoa, por sua vez, tem o seu papel de trabalhadora dedicada e disciplinada, realçado, apresentada em alguns filmes e vídeos documentários como a verdadeira rainha das selvas – ver A rainha leoa, da National Geographic  https://www.youtube.com/watch?v=Cf5sakdeiVg. Algo análogo ao que acontece em nosso mercado de emprego ultimamente, onde as empresas impõem cada vez mais a exclusividade do sexo feminino nas contratações, entre outras justificativas por ser uma profissional mais disciplinada (ou seria mais submissa?), além de outras qualidades inegáveis.

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